20 de mai. de 2011

Livro das Mil e Uma Noites


Há duas semanas, comecei uma oficina chamada "Narrativas de Viagem" na Oficina da Palavra Casa Mário de Andrade. Os escritores, viajantes reais ou imaginários, transformaram seus relatos de viagem em um gênero literário dos mais instigantes. A oficina pretende introduzir os alunos às diferentes formas de narrar a viagem, percorrendo as principais características de alguns textos fundantes do gênero.

Vou reproduzir aqui algumas das leituras que estou fazendo no curso, até mesmo porque aproveito esse espaço para organizar os conceitos discutidos no curso.



Nossa primeira análise foi sobre o livro "Mil e Uma Noites", um dos mais antigos da literatura. Tão antigo que nem se conhece sua autoria, escrito inicialmente em sânscrito, depois persa, árabe e finalmente traduzido para os países ocidentais. Alguns livros antigos, como o Alcorão, por exemplo, eram escritos em ossos de camelo e ninguém sabia a ordem exata deles. Algo próximo aconteceu com as "Mil e Uma Noites", parece não haver uma versão definitiva e cada tradutor busca a sua verdade sobre a obra. Borges, em seu texto "Os tradutores das mil e uma noites" até ridiculariza essa situação. A questão é que a primeira versão surgiu em 1708-1715 por Antoine Galland, que trouxe o livro de uma viagem ao oriente. Portanto, a própria origem do livro nasce de uma viagem. Outros tradutores também são viajantes, como Richard Burton, que traduziu não somente "Mil e Uma Noites", mas também "Iracema", de José de Alencar. Se Galland, em 1715, eliminava o conteúdo erótico da obra, Burton, mais libertino, exagerou nesse conteúdo.

Sherazade
O mito de origem de "Mil e uma Noites" é muito interessante. Conhecia só uma parte dele, que Sherazade contava uma história por noite para não ser assassinada. O que eu não sabia, por exemplo, é que o rei Shariar odiava as mulheres, por ter encontrado sua esposa em orgia com vários eunucos e outras de suas mulheres. O irmão de Shariar, Shazinan, também não tinha experiência muito positiva com as mulheres. Por isso, Shariar resolve ter uma virgem por noite e depois matá-las. A única que sobrevive é Sherazade, através das histórias que conta.

As viagens, no livro "Mil e Uma Noites", tem caráter iniciático, ou seja, são viagens transformadoras. Ou são decorrência de fugir de uma grande dor, fugir do tédio ou encontrar uma princesa. Simbad, de "Simbad, o Marujo", por exemplo, viaja por tédio. Sempre "acometido pelos anseios de viajar", não importa o que tenha acontecido de desventuras na viagem anterior, Simbad sempre decide viajar novamente. São sete viagens.



As viagens sempre levam a um paraíso, uma ilha deserta repleta de árvores e frutas. Que depois vira o cenário de um pesadelo, onde Simbad tem que enfrentar pássaros gigantes, serpentes, canibais ou gigantes.

Um dos monstros das aventuras de Simbad
O gigante, por exemplo, procura alimento e procura entre Simbad e seus companheiros um alimento, "até que sua mão parou no capitão, que era pesado de corpo, largo de ombros, o mais corpulento dos homens, e agarrando-o tal como o gavião agarra o passarinho, pegou um dos espetos, introduziu-o em seu ânus, fê-lo sair-lhe pela cabeça (...)". As ilhas, os paraísos, acabam sempre sendo uma desilusão, um engodo, pois são cenários dos mais diversos perigos.

Não sei se tenho uma visão assim tão "perigosa" das viagens. Sim, também procuro os paraísos, as ilhas desertas, com natureza exuberante, mas em geral não encontro perigos assim. Vez por outra encontro sim alguns paraísos frustrantes, que se não possuem pássaros gigantes ou serpentes ou canibais, possuem sim excesso de gente, ou lugares poluídos ou abaixo das expectativas. O que vale é que, não importam as frustrações ou decepções de viagem, sempre o que ficam são as memórias boas, os lugares das viagens ficam na memória, as "desgraças" ficam no esquecimento.

Em uma das viagens, Simbad casa-se e vive numa
comunidade que enterra marido e mulher juntos,
mesmo que um dos dois não tenha morrido. 
Outro detalhe interessante é que Simbad, após suas viagens e aventuras, encontra salvação pela palavra, pela narrativa de viagem. Em toda as viagens, Simbad conta suas histórias e é recompensado por muito diamante, dinheiro, ou às vezes côcos e até mesmo ossos de elefante. O importante é que as narrativas de viagem representam para Simbad fonte de riqueza. É portanto, nesse mesmo objetivo de colher riquezas de minhas viagens, que gosto de contar minhas histórias, gosto de tirar minhas fotos, são meus tesouros. E que cada um colha as recompensas que busca, após suas tão maravilhosas viagens...

Mas parece que, afinal, a maior recompensa de uma viagem é o modo como ela nos transforma. Simbad, em suas sete viagens, sempre volta transformado. Tão transformado que torna-se até irreconhecível para seus companheiros. Se nós, quando viajamos, voltamos tão transformados quanto Simbad, a ponto de ficarmos irreconhecíveis, não sei, mas que voltamos um pouco diferentes, com certeza voltamos. Pois cada paraíso de viagem, ou até mesmo os que ficam um pouco distantes disso, tem o poder de nos transformar um pouco, pela rica experiência que é uma viagem, a experiência de repentinamente abandonar tudo o que é conhecido e aventurar-se pelo desconhecido, pelo novo, pelo diferente.



3 comentários:

  1. sinto que isso vai muito me interessar!!!!

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  2. Nossa, é verdade, Ciello. Tudo a ver contigo!

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  3. eu to procurando a origem da historia das mil e uma noites para um trabalho da escola me ajudem ou então vo tirar 0 no trabalho

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