Um filme lindo em sua direção, decupagem e fotografia. Aliás, cada cena é uma obra de arte, tudo muito bem calculado e com um elegante movimento de câmera. A história em si não é original, mas interessante e inovadora em sua abordagem (colaborada principalmente pela montagem, que mistura diversos momentos fora de ordem cronológica, como se estivéssemos acompanhando o fluxo de pensamento dos personagens), mas um pouco cansativa por causa da duração do filme, do enfoque religioso e do excesso de cenas "poéticas". Mas enfim, é um filme diferente, bonito, uma grande viagem sentimental e visual, que vale conferir.
Minha Cotação: * * * *
MALICK E O OLHO DE DEUS
Por CARLOS ALBERTO MATTOS
10/8/2011
http://www.criticos.com.br/new/artigos/critica_interna.asp?artigo=2227
Coragem é o que ninguém pode negar a Terrence Malick. A Árvore da Vida é mais um de seus filmes que se arrisca a contrariar o gosto e as tendências da indústria, ainda que conte sempre com a aprovação de quem almeja um sentido mais nobre para o cinema americano. Depois da morte de Kubrick, talvez seja ele o último remanescente de uma estirpe de monstros sagrados e elusivos, de quem se espera sempre muito e a quem tudo parece permitido.
Depois de seis anos de produção e talvez décadas de desenvolvimento do projeto, o filme parece um gigante que acordou para receber a Palma de Ouro de Cannes e maravilhar olhos e ouvidos com sua meditação audiovisual sofisticadíssima. A um custo maior que os 32 milhões de dólares estimados, talvez seja o mais caro filme experimental jamais realizado. Em termos de ambição, fica pouco a dever a 2001, Uma Odisséia no Espaço. Pretende narrar a formação de um adolescente do Texas nos anos 1950 como uma metonímia da formação do Universo. Malick não pensa pequeno. Se todo cineasta, ao criar o seu mundo quase materialmente, se diverte “brincando de Deus”, Malick leva a brincadeira mais a sério do que nenhum outro.
Não falo sequer dos 20 minutos ocupados pela sucessão de efeitos especiais de Douglas Trumbull para figurar a criação do mundo e das espécies animais. Isso é apenas o sintoma de megalomania mais explícito – e mais enfadonho quando se transforma num pequeno compêndio de História Natural. Falo da própria linguagem narrativa do filme, que detona a linearidade temporal e espacial em troca de uma explosão de microcenas. Melhor dizendo, Malick não filma cenas, mas fenômenos, sejam eles cotidianos ou galácticos. A montagem (da qual participou o brasileiro Daniel Rezende junto a outros quatro montadores) fragmenta a ação e a recompõe elipticamente, conduzindo o espectador a uma percepção quase alucinatória. Algo de sobre-humano rege aquela maneira de ver o mundo. Aquele deslizar sem peso dasteadicam entre móveis ou vegetações. Aquela pararrealidade composta por refrações de luz, sombras alongadas, paisagens oníricas e incongruentes. Vemos as coisas como se fosse através do olho de uma entidade onipresente. O olho de Deus.
Admitir claramente a existência de Deus é o que mais difere A Árvore da Vida deMelancolia, seu antípoda-semelhante em Cannes. Lars Von Trier, em seu materialismo agonizante, trata do fim do mundo, claro, enquanto o cristão Terrence Malick volta-se para a criação. O Deus de Malick, porém, não é o Deus carola e misericordioso, mas um Deus dialético que abarca toda a perplexidade do Homem. Há uma óbvia relação do Deus-Pai com a figura do pai biológico, capaz de proteger, orientar e fortalecer, assim como de punir, oprimir e humilhar. Ante as desgraças do mundo, a descoberta do garoto Jack é a mesma que sempre fazemos em algum momento das nossas vidas: Deus permite que qualquer coisa aconteça. Não há ordem, portanto, nem justiça na face da Terra. Não há respostas, como nos velhos filmes de Bergman.
No entanto, Malick não é Bergman nem Von Trier. Sua inspiração religiosa lança perguntas ao vento mas não esmorece por não receber nada de volta. Afinal, Deus é não apenas a Natureza dura e indiferente, mas também a Graça (representada pela mãe) com tudo o que ela incorpora de tolerância e perdão. Assim o filme conclui sua meditação com uma sequência pavorosa de louvor à esperança e à transcendência espiritual, que não destoaria dos filmes espíritas mais empedernidos da safra recente. E este, para mim, não é o único senão de A Árvore de Vida.
A beleza estonteante das imagens e o mistério da estrutura narrativa não vencem incólumes os 139 minutos do filme. A partir de certo ponto, esse estilo compenetrado e solene, embalado por metade do catálogo de música clássica da Deutsche Grammophon, me pareceu enjoativo e autoimportante. Mesmo as imagens mais diáfanas carregam um peso, uma carga semântica que aspira à grandiloquência. Não sei quanto tempo eu estaria preparado para suportar a visão direta de Deus, caso ele existisse.
Coragem é o que ninguém pode negar a Terrence Malick. A Árvore da Vida é mais um de seus filmes que se arrisca a contrariar o gosto e as tendências da indústria, ainda que conte sempre com a aprovação de quem almeja um sentido mais nobre para o cinema americano. Depois da morte de Kubrick, talvez seja ele o último remanescente de uma estirpe de monstros sagrados e elusivos, de quem se espera sempre muito e a quem tudo parece permitido.
Depois de seis anos de produção e talvez décadas de desenvolvimento do projeto, o filme parece um gigante que acordou para receber a Palma de Ouro de Cannes e maravilhar olhos e ouvidos com sua meditação audiovisual sofisticadíssima. A um custo maior que os 32 milhões de dólares estimados, talvez seja o mais caro filme experimental jamais realizado. Em termos de ambição, fica pouco a dever a 2001, Uma Odisséia no Espaço. Pretende narrar a formação de um adolescente do Texas nos anos 1950 como uma metonímia da formação do Universo. Malick não pensa pequeno. Se todo cineasta, ao criar o seu mundo quase materialmente, se diverte “brincando de Deus”, Malick leva a brincadeira mais a sério do que nenhum outro.
Não falo sequer dos 20 minutos ocupados pela sucessão de efeitos especiais de Douglas Trumbull para figurar a criação do mundo e das espécies animais. Isso é apenas o sintoma de megalomania mais explícito – e mais enfadonho quando se transforma num pequeno compêndio de História Natural. Falo da própria linguagem narrativa do filme, que detona a linearidade temporal e espacial em troca de uma explosão de microcenas. Melhor dizendo, Malick não filma cenas, mas fenômenos, sejam eles cotidianos ou galácticos. A montagem (da qual participou o brasileiro Daniel Rezende junto a outros quatro montadores) fragmenta a ação e a recompõe elipticamente, conduzindo o espectador a uma percepção quase alucinatória. Algo de sobre-humano rege aquela maneira de ver o mundo. Aquele deslizar sem peso dasteadicam entre móveis ou vegetações. Aquela pararrealidade composta por refrações de luz, sombras alongadas, paisagens oníricas e incongruentes. Vemos as coisas como se fosse através do olho de uma entidade onipresente. O olho de Deus.
Admitir claramente a existência de Deus é o que mais difere A Árvore da Vida deMelancolia, seu antípoda-semelhante em Cannes. Lars Von Trier, em seu materialismo agonizante, trata do fim do mundo, claro, enquanto o cristão Terrence Malick volta-se para a criação. O Deus de Malick, porém, não é o Deus carola e misericordioso, mas um Deus dialético que abarca toda a perplexidade do Homem. Há uma óbvia relação do Deus-Pai com a figura do pai biológico, capaz de proteger, orientar e fortalecer, assim como de punir, oprimir e humilhar. Ante as desgraças do mundo, a descoberta do garoto Jack é a mesma que sempre fazemos em algum momento das nossas vidas: Deus permite que qualquer coisa aconteça. Não há ordem, portanto, nem justiça na face da Terra. Não há respostas, como nos velhos filmes de Bergman.
No entanto, Malick não é Bergman nem Von Trier. Sua inspiração religiosa lança perguntas ao vento mas não esmorece por não receber nada de volta. Afinal, Deus é não apenas a Natureza dura e indiferente, mas também a Graça (representada pela mãe) com tudo o que ela incorpora de tolerância e perdão. Assim o filme conclui sua meditação com uma sequência pavorosa de louvor à esperança e à transcendência espiritual, que não destoaria dos filmes espíritas mais empedernidos da safra recente. E este, para mim, não é o único senão de A Árvore de Vida.
A beleza estonteante das imagens e o mistério da estrutura narrativa não vencem incólumes os 139 minutos do filme. A partir de certo ponto, esse estilo compenetrado e solene, embalado por metade do catálogo de música clássica da Deutsche Grammophon, me pareceu enjoativo e autoimportante. Mesmo as imagens mais diáfanas carregam um peso, uma carga semântica que aspira à grandiloquência. Não sei quanto tempo eu estaria preparado para suportar a visão direta de Deus, caso ele existisse.
FICHA TÉCNICA
Diretor: Terrence Malick
Elenco: Brad Pitt, Sean Penn, Fiona Shaw, Jessica Chastain, Kari Matchett, Dalip Singh, Joanna Going, Jackson Hurst, Brenna Roth, Jennifer Sipes, Crystal Mantecon, Lisa Marie Newmyer
Produção: Dede Gardner, Sarah Green, Grant Hill, Brad Pitt, Bill Pohlad
Roteiro: Terrence Malick
Fotografia: Emmanuel Lubezki
Trilha Sonora: Alexandre Desplat
Duração: 138 min.
Ano: 2011
País: EUA
Gênero: Drama
Cor: Colorido
Distribuidora: Imagem Filmes
Estúdio: Cottonwood Pictures / Plan B Entertainment / River Road Entertainment
Classificação: 10 anos
Gostei bastante do filme, apesar de estranho, merece ser visto!
ResponderExcluirO estranho às vezes é bem vindo, pra tirar a gente da zona de conforto.
ResponderExcluirValeu pelo comentário, David.
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