Fui assistir esse filme porque fiquei interessado na experiência de ver um filme que transita pelo suspense/terror brasileiro que não seja no estilo dos filmes do Zé do Caixão. E fiquei muito satisfeito com o resultado como o filme consegue construir um clima de suspense e de estranheza no decorrer da sua narrativa, que te deixa sem saber o que vai acontecer. Mas o gênero principal do filme mesmo é o drama social, traçando um panorama de diversos tipos de problemas relacionados ao trabalho, como relações de poder, desemprego, desconfiança, etc. A mesma dos dois gêneros ficou bastante interessante, mas de fato o filme apenas peca (em minha opinião) por não ter embarcado com mais afinco no gênero suspense. Os personagens, principalmente o da protagonista, padecem de uma construção um pouco mais elaborada. Mas o filme vale a pena pelo suspense que proporciona.
Minha Cotação: * * * *
TRABALHAR CANSA
Heitor Augusto
http://cinema.cineclick.uol.com.br/criticas/ficha/filme/trabalhar-cansa/id/2810
Trabalhar Cansa é um bem-vindo risco cinematográfico. Flertando entre o literal e o simbolismo, o longa de estreia dos premiados curta-metragistas Marco Dutra e Juliana Rojas transita entre filme de monstro e suspense com um ácido comentário das relações sociais e de poder. Um teste para o espectador desacostumado com esse percurso entre gêneros tão distintos.
Dizer que “gostando ou não, é um filme que não dá para ficar indiferente” é um tremendo clichê. Mas quem disse que os clichês não têm um pé na realidade? Exibido em maio no Festival de Cannes dentro da mostra Um Certo Olhar e detentor de uma Menção Honrosa no Festival de Paulínia, o longa já sai em vantagem por ousar mexer com um gênero raro na cinematografia brasileira em longa-metragem (terror/fantástico) e mostra-se um filme cujo resultado é só um: Cinema. Dutra e Rojas narram um filme cujas imagens dispensam gorduras de diálogos.
Temos uma família de classe média até então bem estabelecida financeiramente. Helena (Helena Albergaria, atriz preferida da dupla de realizadores) é uma dona de casa que decide abrir um mercadinho. Empolgada por ter encontrado o imóvel perfeito, volta a casa para compartilhar a notícia com o marido. Surpresa: Otávio (Marat Descartes) acaba de ser demitido após dez anos na mesma empresa. Desempregado aos 40 anos. Enquanto eventos inexplicáveis acontecem no mercado, o marido tenta voltar ao mercado de trabalho.
São dois registros diferentes, o que não implica dois filmes diferentes ou inorgânicos. Após a sessão em Paulínia em julho, quem não gostou de Trabalhar Cansa apontou uma inaptidão do filme em fazer com eficiência a ponte entre os dois registros. Mas, um questionamento: seria mesmo um problema do filme que não consegue cruzar saudavelmente as fronteiras ou do espectador desacostumado com essa ousadia?
A pergunta surge depois de pensar também em Cópia Fiel, grande filme de Abbas Kiarostami. Em geral, quem gostou do longa achou que existem duas encenações inteiramente diferentes do casal. Supostamente existiria o momento do fingimento e, após a cena do café com a mamma italiana, surgiria dali outra encenação, na qual Juliette Binoche e William Shimell se assumiriam como um casal em crise. Ou seja, uma delimitação clara entre um antes e um depois, um isso e um aquilo.
Não seria justamente esse o mais interessante desafio de Trabalhar Cansa: propor ao espectador uma narrativa cinematográfica em que o “isso” (terror) acontece ao mesmo tempo do “aquilo” (drama social), em vez de delimitar claramente duas esferas? Não seríamos nós a pedir uma distinção clara – por ser mais fácil de racionalizar – do que um problema do filme em não fazê-la? Não seria uma necessidade nossa de, como espectador, enquadrar o filme?
Atmosfera de suspense
Criar a atmosfera de mistério e incompreensão de fenômenos estranhos não é nenhuma novidade na obra de Marco Dutra e Juliana Rojas. Especialmente em Um Ramo, premiado em Cannes em 2007 como o Melhor Curta-metragem da mostra paralela Semana da Crítica, a manutenção do clima é precisa.
No caso de Trabalhar Cansa, a criação é ainda mais meticulosa, pronta a jogar o espectador num outro tempo narrativo e testar sua sensibilidade, principalmente ao inserir objetos de cena aparentemente deslocados. Simplesmente não se sabe qual será o próximo plano, para onde o filme será encaminhado. Um filme instigante com a saudável disposição de se arriscar.
Nessa criação de atmosfera, descobrimos juntos dos personagens os estranhos fenômenos que rondam o mercadinho. Um odor estranho, um cano estranhamente entupido, uma infiltração são alguns dos elementos que conduzem o suspense. Quanto mais o mistério aumenta, mais a natureza contraditória dos personagens se revela.
Com isso, Trabalhar Cansa cresce e cai, ao mesmo tempo. Tanto na relação entre Helena com a empregada Paula (Naloana Lima) ou com os funcionários do mercadinho, o poder é sutilmente delineado. Mas a inserção da mãe de Helena é a passagem mais caricata de um filme que tem como pilar a adesão do espectador, mesmo que numa postura distanciada.
Também é mal resolvida uma viagem que Otávio, o marido, faz com a filha para uma casa de fim de semana da família. Porém, são detalhes que não tiram muitos dos méritos do filme de unir organicamente dois registros narrativos distintos.
Trabalhar Cansa é um lançamento interessante do cinema brasileiro em 2011. Mesmo não gostando, provocar discussão em torno dos gêneros cinematográficos é um mérito que o filme de Marco Dutra e Juliana Rojas esbanja a rodo.
Trabalhar Cansa é um bem-vindo risco cinematográfico. Flertando entre o literal e o simbolismo, o longa de estreia dos premiados curta-metragistas Marco Dutra e Juliana Rojas transita entre filme de monstro e suspense com um ácido comentário das relações sociais e de poder. Um teste para o espectador desacostumado com esse percurso entre gêneros tão distintos.
Dizer que “gostando ou não, é um filme que não dá para ficar indiferente” é um tremendo clichê. Mas quem disse que os clichês não têm um pé na realidade? Exibido em maio no Festival de Cannes dentro da mostra Um Certo Olhar e detentor de uma Menção Honrosa no Festival de Paulínia, o longa já sai em vantagem por ousar mexer com um gênero raro na cinematografia brasileira em longa-metragem (terror/fantástico) e mostra-se um filme cujo resultado é só um: Cinema. Dutra e Rojas narram um filme cujas imagens dispensam gorduras de diálogos.
Temos uma família de classe média até então bem estabelecida financeiramente. Helena (Helena Albergaria, atriz preferida da dupla de realizadores) é uma dona de casa que decide abrir um mercadinho. Empolgada por ter encontrado o imóvel perfeito, volta a casa para compartilhar a notícia com o marido. Surpresa: Otávio (Marat Descartes) acaba de ser demitido após dez anos na mesma empresa. Desempregado aos 40 anos. Enquanto eventos inexplicáveis acontecem no mercado, o marido tenta voltar ao mercado de trabalho.
São dois registros diferentes, o que não implica dois filmes diferentes ou inorgânicos. Após a sessão em Paulínia em julho, quem não gostou de Trabalhar Cansa apontou uma inaptidão do filme em fazer com eficiência a ponte entre os dois registros. Mas, um questionamento: seria mesmo um problema do filme que não consegue cruzar saudavelmente as fronteiras ou do espectador desacostumado com essa ousadia?
A pergunta surge depois de pensar também em Cópia Fiel, grande filme de Abbas Kiarostami. Em geral, quem gostou do longa achou que existem duas encenações inteiramente diferentes do casal. Supostamente existiria o momento do fingimento e, após a cena do café com a mamma italiana, surgiria dali outra encenação, na qual Juliette Binoche e William Shimell se assumiriam como um casal em crise. Ou seja, uma delimitação clara entre um antes e um depois, um isso e um aquilo.
Não seria justamente esse o mais interessante desafio de Trabalhar Cansa: propor ao espectador uma narrativa cinematográfica em que o “isso” (terror) acontece ao mesmo tempo do “aquilo” (drama social), em vez de delimitar claramente duas esferas? Não seríamos nós a pedir uma distinção clara – por ser mais fácil de racionalizar – do que um problema do filme em não fazê-la? Não seria uma necessidade nossa de, como espectador, enquadrar o filme?
Atmosfera de suspense
Criar a atmosfera de mistério e incompreensão de fenômenos estranhos não é nenhuma novidade na obra de Marco Dutra e Juliana Rojas. Especialmente em Um Ramo, premiado em Cannes em 2007 como o Melhor Curta-metragem da mostra paralela Semana da Crítica, a manutenção do clima é precisa.
No caso de Trabalhar Cansa, a criação é ainda mais meticulosa, pronta a jogar o espectador num outro tempo narrativo e testar sua sensibilidade, principalmente ao inserir objetos de cena aparentemente deslocados. Simplesmente não se sabe qual será o próximo plano, para onde o filme será encaminhado. Um filme instigante com a saudável disposição de se arriscar.
Nessa criação de atmosfera, descobrimos juntos dos personagens os estranhos fenômenos que rondam o mercadinho. Um odor estranho, um cano estranhamente entupido, uma infiltração são alguns dos elementos que conduzem o suspense. Quanto mais o mistério aumenta, mais a natureza contraditória dos personagens se revela.
Com isso, Trabalhar Cansa cresce e cai, ao mesmo tempo. Tanto na relação entre Helena com a empregada Paula (Naloana Lima) ou com os funcionários do mercadinho, o poder é sutilmente delineado. Mas a inserção da mãe de Helena é a passagem mais caricata de um filme que tem como pilar a adesão do espectador, mesmo que numa postura distanciada.
Também é mal resolvida uma viagem que Otávio, o marido, faz com a filha para uma casa de fim de semana da família. Porém, são detalhes que não tiram muitos dos méritos do filme de unir organicamente dois registros narrativos distintos.
Trabalhar Cansa é um lançamento interessante do cinema brasileiro em 2011. Mesmo não gostando, provocar discussão em torno dos gêneros cinematográficos é um mérito que o filme de Marco Dutra e Juliana Rojas esbanja a rodo.
FICHA TÉCNICA
Diretor: Marco Dutra, Juliana Rojas
Elenco: Helena Albergaria, Marat Descartes, Mariana Flores, Gilda Nomacce
Produção: Sara Silveira, Maria Ionescu
Roteiro: Marco Dutra, Juliana Rojas
Fotografia: Matheus Rocha
Duração: 99 min.
Ano: 2011
País: Brasil
Gênero: Suspense
Cor: Colorido
Distribuidora: Polifilme
Estúdio: Dezenove Som e Imagens
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