INVASÃO DA USP
A imprensa como agente provocador
Por Raphael Tsavkko Garcia em 15/11/2011 na edição 668
Observatório da Imprensa
Durante a crise recente na Universidade de São Paulo (USP) – que se iniciou não com a prisão de três estudantes que fumavam maconha nas cercanias da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências sociais (FFLCH), mas com a chegada da PM na USP em caráter de clara provocação por parte do reitor João Grandino Rodas –, a mídia teve um papel fundamental na radicalização de posições tanto do lado dos estudantes quanto de boa parte da população, que não escondeu sua vontade de ver sangue jorrar durante a desocupação ordenada pela justiça.
É fato que a imprensa age propositadamente como agente provocador.
Na manhã do dia 8 de novembro, a Polícia Militar (PM) desocupou a força o prédio da reitoria da Universidade de São Paulo (USP), que tinha sido tomado por cerca de 70 estudantes desde o dia 27 de outubro, quando três estudantes foram presos por estarem fumando maconha nas imediações do prédio da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). A ação envolveu cerca de 400 policiais da tropa de choque da PM, guarnições do Grupo de Operações Especiais (GOE) e a cavalaria da PM.
Num comunicado lançado após a desocupação, os estudantes da USP esclarecem que “o incidente do dia 27/10/11, quando três alunos foram pegos portando maconha, não foi o ponto de partida das reivindicações estudantis. Aquele foi o estopim para insatisfações já existentes” – com o modelo de segurança da USP e a falta de transparência da reitoria.
Entre pedradas e infiltrados
Os estudantes têm se organizado em assembleias e, no dia 7 de novembro, eram cerca de mil que deliberavam sobre a continuidade da ação ou uma mudança de tática. Apesar do voto pela desocupação ter vencido por estreita margem, alguns estudantes mais radicais resolveram manter a ocupação. Sabendo que a ocupação era considerada ilegal pela justiça, os estudantes em peso se recusavam aceitar uma intervenção policial violenta.
Em meio a isto, algumas horas antes da desocupação ser posta em prática, alguns jornalistas se indispuseram com um pequeno grupo de estudantes. Estes não queriam dar entrevistas, não queriam ter seus rostos gravados (se escondiam para evitar serem expulsos ou punidos pela universidade, cujo reitor tem o incômodo costume de perseguir estudantes envolvidos em atividades que ele considera ilícitas) e haviam criado um perímetro de segurança que não deveria ser penetrado por ninguém, muito menos pela mídia. É fato que muitos jornalistas ficaram revoltados com o fato de os estudantes se recusarem a falar com eles, mas quando eles falam são censurados, têm suas falas manipuladas e são desrespeitados. Alguns elementos da imprensa colocam a liberdade de imprensa (ou de empresa) acima da liberdade de expressão dos movimentos sociais. E isto é recorrente.
Durante a rápida confusão, em que jornalistas insistiam em enfiar o microfone na cara de estudantes, um fotógrafo foi agredido e supostamente um tijolo foi atirado em direção a um cinegrafista. O episódio seria lamentável por si só, com atitudes extremas de ambos os lados, se não fosse o fato ainda mais grotesco da suspeita da presença de agentes da PM infiltrados (os famosos P2) no movimento estudantil e naquele grupo em particular para causar ainda mais confusão e aumentar ainda mais a repulsa contra os estudantes. Obviamente a suspeita de infiltração não foi e jamais será sequer citada ou aventada pela mídia corporativa.
Mídia defendeu a repressão
O que vemos hoje é uma clara aliança de setores conservadores da sociedade, retrógrados e alguns até mesmo de caráter fascista, atiçados por uma mídia corporativista e irresponsável para tentar criminalizar os estudantes da USP (para me ater apenas neste caso particular). Vimos a mídia – certos jornalistas – pedir de forma descarada para que a PM interviesse com violência, para que os estudantes fossem “postos em seu lugar”.
É digno de nota o esforço de jornalistas como Paulo Moreira Leite, André Forastieri e Marcelo Rubens Paiva que, em seus espaços online, buscaram ponderar a situação e se colocaram do lado dos estudantes, contra a repressão que se avizinhava e, depois do fato consumado, da desocupação seguida da brutal criminalização dos estudantes, jornalistas como Alvaro Pereira Junior, dentre outros, buscaram ponderar a situação e se colocar contra qualquer tipo de violência.
Mas, em geral, o que se lia e via era a condenação geral dos estudantes da USP. Estes eram riquinhos, burgueses, drogados, inúteis, vândalos, arruaceiros... A Folha de S.Paulo chegou a divulgar um vídeo em que socialites afirmavam categoricamente que os estudantes estavam aliados não só ao MST e aos Sem Teto, mas também à máfia. Chinesa, russa, italiana... E qualquer outra que pudesse ser inventada naquele momento.
Os argumentos para apoiar não só uma ação forte por parte da PM, mas também para defender o extremo da violência e até penalizações posteriores aos estudantes flutuavam entre afirmações de que autonomia universitária era uma balela, passando pela presença de partidos políticos (como se fosse ilegal) no meio dos estudantes, até à já citada aliança com mafiosos. Não apenas matérias e colunas defendiam a repressão abertamente, mas inclusive editoriais de grandes jornais e, não poderia faltar, âncoras de redes conservadoras com passado comprometedor.
O “direito” de um grupo
Todos estes pareciam esquecer que a universidade é muito mais que apenas um local para se estudar, ganhar um diploma e ter vaga no mercado de trabalho. É um espaço de aprendizado muito mais amplo do que aquele restrito às salas de aula. Serve para se preparar para vida e, neste meio tempo, cabe beber, fazer festa, conversar, se divertir e, porque não, transgredir. A adolescência é a época em que descobrimos quem somos e o que queremos e, até lá, cometemos erros, fazemos besteira e não precisamos da PM para nos ensinar o “caminho correto”.
Fumar maconha faz parte. Beber faz parte. Contestar faz parte. Há uma clara oposição entre a lei e as práticas (ora, entra-se na universidade com 17 anos e é proibido beber até os 18, mas alguém se importa?) dentro dos muros da universidade, dentro dos limites do campus. O campus é um lugar de contestação por natureza. Assim é a universidade. USP, PUC, não importa, universidade é um espaço de contestação, de rebeldia, de festas e, claro, de aprendizagem, mas de todo tipo de aprendizagem, e não apenas aquela das salas de aula.
A presença da PM é uma provocação clara tanto da reitoria, abertamente conservadora e ilegítima, quanto do governo, igualmente conservador. É uma forma de tentar “acalmar” os ânimos e a contestação estudantil.
E é um tiro no pé, estupidez pura. Uma provocação perigosa contra a comunidade universitária. Uma provocação perigosa apoiada e amplificada pela irresponsabilidade de uma mídia parcial e colada a interesses conservadores. A ideia de democracia destes veículos que, há pouco defendiam com unhas e dentes um regime ditatorial, não passa pelo direito de todos se expressarem, mas pelo “direito” de um grupo mais poderoso calar os demais por meio de manipulações jurídicas e de força extrema de um aparato de segurança desproporcional.
Resta lamentar
A mídia extrapola sua função de formar opinião, negando na maioria dos casos qualquer contraditório e, de forma monolítica, forçando um pensamento único que é assimilado e reproduzido por parte da sociedade que, então, repete a ladainha de forma ensaiada, sem sequer pensar.
Neste meio sobra preconceito, racismo, incitação à violência, desrespeito... Estudantes chamados de semianalfabetos por colunistas como Vinícius Mota, organizações políticas chamadas de “grupelhos” por editorial da Folha que, de quebra, acusa os estudantes de terem um “excesso de susceptibilidade ideológica” pois, obviamente, deveriam apoiar e aplaudir a presença da PM no campus. Luís Felipe Pondé define os estudantes como simples “baderneiros” e pouco é preciso comentar sobre participações especiais de âncoras como Boris Casoy, famoso por seu apreço aos garis, ou as coberturas in loco de Record, Rede Globo e cia., em que “baderneiro” era o mais fraco dos adjetivos usados.
Uma luta consistente, contra a presença de uma força policial corrupta e violenta dentro do campus, a Polícia Militar, que segundo dados recentes mata mais do que todas as forças policiais dos EUA somadas, acaba por ser transformada apenas na luta de uma elite mimada, de riquinhos entediados e grupelhos de extrema-esquerda depois do “tratamento” midiático dado à questão.
Resta à mídia apenas lamentar a falta de um massacre para ilustrar ainda mais seu noticiário e suas capas de jornais. Mas o assunto continuará ainda por muito tempo dando ibope e será trazido à tona sempre que houver interesse em criminalizar as lutas dos estudantes.
***
[Raphael Tsavkko Garcia é jornalista, blogueiro e mestrando em Comunicação]
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_a_imprensa_como_agente_provocador
Durante a crise recente na Universidade de São Paulo (USP) – que se iniciou não com a prisão de três estudantes que fumavam maconha nas cercanias da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências sociais (FFLCH), mas com a chegada da PM na USP em caráter de clara provocação por parte do reitor João Grandino Rodas –, a mídia teve um papel fundamental na radicalização de posições tanto do lado dos estudantes quanto de boa parte da população, que não escondeu sua vontade de ver sangue jorrar durante a desocupação ordenada pela justiça.
É fato que a imprensa age propositadamente como agente provocador.
Na manhã do dia 8 de novembro, a Polícia Militar (PM) desocupou a força o prédio da reitoria da Universidade de São Paulo (USP), que tinha sido tomado por cerca de 70 estudantes desde o dia 27 de outubro, quando três estudantes foram presos por estarem fumando maconha nas imediações do prédio da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). A ação envolveu cerca de 400 policiais da tropa de choque da PM, guarnições do Grupo de Operações Especiais (GOE) e a cavalaria da PM.
Num comunicado lançado após a desocupação, os estudantes da USP esclarecem que “o incidente do dia 27/10/11, quando três alunos foram pegos portando maconha, não foi o ponto de partida das reivindicações estudantis. Aquele foi o estopim para insatisfações já existentes” – com o modelo de segurança da USP e a falta de transparência da reitoria.
Entre pedradas e infiltrados
Os estudantes têm se organizado em assembleias e, no dia 7 de novembro, eram cerca de mil que deliberavam sobre a continuidade da ação ou uma mudança de tática. Apesar do voto pela desocupação ter vencido por estreita margem, alguns estudantes mais radicais resolveram manter a ocupação. Sabendo que a ocupação era considerada ilegal pela justiça, os estudantes em peso se recusavam aceitar uma intervenção policial violenta.
Em meio a isto, algumas horas antes da desocupação ser posta em prática, alguns jornalistas se indispuseram com um pequeno grupo de estudantes. Estes não queriam dar entrevistas, não queriam ter seus rostos gravados (se escondiam para evitar serem expulsos ou punidos pela universidade, cujo reitor tem o incômodo costume de perseguir estudantes envolvidos em atividades que ele considera ilícitas) e haviam criado um perímetro de segurança que não deveria ser penetrado por ninguém, muito menos pela mídia. É fato que muitos jornalistas ficaram revoltados com o fato de os estudantes se recusarem a falar com eles, mas quando eles falam são censurados, têm suas falas manipuladas e são desrespeitados. Alguns elementos da imprensa colocam a liberdade de imprensa (ou de empresa) acima da liberdade de expressão dos movimentos sociais. E isto é recorrente.
Durante a rápida confusão, em que jornalistas insistiam em enfiar o microfone na cara de estudantes, um fotógrafo foi agredido e supostamente um tijolo foi atirado em direção a um cinegrafista. O episódio seria lamentável por si só, com atitudes extremas de ambos os lados, se não fosse o fato ainda mais grotesco da suspeita da presença de agentes da PM infiltrados (os famosos P2) no movimento estudantil e naquele grupo em particular para causar ainda mais confusão e aumentar ainda mais a repulsa contra os estudantes. Obviamente a suspeita de infiltração não foi e jamais será sequer citada ou aventada pela mídia corporativa.
Mídia defendeu a repressão
O que vemos hoje é uma clara aliança de setores conservadores da sociedade, retrógrados e alguns até mesmo de caráter fascista, atiçados por uma mídia corporativista e irresponsável para tentar criminalizar os estudantes da USP (para me ater apenas neste caso particular). Vimos a mídia – certos jornalistas – pedir de forma descarada para que a PM interviesse com violência, para que os estudantes fossem “postos em seu lugar”.
É digno de nota o esforço de jornalistas como Paulo Moreira Leite, André Forastieri e Marcelo Rubens Paiva que, em seus espaços online, buscaram ponderar a situação e se colocaram do lado dos estudantes, contra a repressão que se avizinhava e, depois do fato consumado, da desocupação seguida da brutal criminalização dos estudantes, jornalistas como Alvaro Pereira Junior, dentre outros, buscaram ponderar a situação e se colocar contra qualquer tipo de violência.
Mas, em geral, o que se lia e via era a condenação geral dos estudantes da USP. Estes eram riquinhos, burgueses, drogados, inúteis, vândalos, arruaceiros... A Folha de S.Paulo chegou a divulgar um vídeo em que socialites afirmavam categoricamente que os estudantes estavam aliados não só ao MST e aos Sem Teto, mas também à máfia. Chinesa, russa, italiana... E qualquer outra que pudesse ser inventada naquele momento.
Os argumentos para apoiar não só uma ação forte por parte da PM, mas também para defender o extremo da violência e até penalizações posteriores aos estudantes flutuavam entre afirmações de que autonomia universitária era uma balela, passando pela presença de partidos políticos (como se fosse ilegal) no meio dos estudantes, até à já citada aliança com mafiosos. Não apenas matérias e colunas defendiam a repressão abertamente, mas inclusive editoriais de grandes jornais e, não poderia faltar, âncoras de redes conservadoras com passado comprometedor.
O “direito” de um grupo
Todos estes pareciam esquecer que a universidade é muito mais que apenas um local para se estudar, ganhar um diploma e ter vaga no mercado de trabalho. É um espaço de aprendizado muito mais amplo do que aquele restrito às salas de aula. Serve para se preparar para vida e, neste meio tempo, cabe beber, fazer festa, conversar, se divertir e, porque não, transgredir. A adolescência é a época em que descobrimos quem somos e o que queremos e, até lá, cometemos erros, fazemos besteira e não precisamos da PM para nos ensinar o “caminho correto”.
Fumar maconha faz parte. Beber faz parte. Contestar faz parte. Há uma clara oposição entre a lei e as práticas (ora, entra-se na universidade com 17 anos e é proibido beber até os 18, mas alguém se importa?) dentro dos muros da universidade, dentro dos limites do campus. O campus é um lugar de contestação por natureza. Assim é a universidade. USP, PUC, não importa, universidade é um espaço de contestação, de rebeldia, de festas e, claro, de aprendizagem, mas de todo tipo de aprendizagem, e não apenas aquela das salas de aula.
A presença da PM é uma provocação clara tanto da reitoria, abertamente conservadora e ilegítima, quanto do governo, igualmente conservador. É uma forma de tentar “acalmar” os ânimos e a contestação estudantil.
E é um tiro no pé, estupidez pura. Uma provocação perigosa contra a comunidade universitária. Uma provocação perigosa apoiada e amplificada pela irresponsabilidade de uma mídia parcial e colada a interesses conservadores. A ideia de democracia destes veículos que, há pouco defendiam com unhas e dentes um regime ditatorial, não passa pelo direito de todos se expressarem, mas pelo “direito” de um grupo mais poderoso calar os demais por meio de manipulações jurídicas e de força extrema de um aparato de segurança desproporcional.
Resta lamentar
A mídia extrapola sua função de formar opinião, negando na maioria dos casos qualquer contraditório e, de forma monolítica, forçando um pensamento único que é assimilado e reproduzido por parte da sociedade que, então, repete a ladainha de forma ensaiada, sem sequer pensar.
Neste meio sobra preconceito, racismo, incitação à violência, desrespeito... Estudantes chamados de semianalfabetos por colunistas como Vinícius Mota, organizações políticas chamadas de “grupelhos” por editorial da Folha que, de quebra, acusa os estudantes de terem um “excesso de susceptibilidade ideológica” pois, obviamente, deveriam apoiar e aplaudir a presença da PM no campus. Luís Felipe Pondé define os estudantes como simples “baderneiros” e pouco é preciso comentar sobre participações especiais de âncoras como Boris Casoy, famoso por seu apreço aos garis, ou as coberturas in loco de Record, Rede Globo e cia., em que “baderneiro” era o mais fraco dos adjetivos usados.
Uma luta consistente, contra a presença de uma força policial corrupta e violenta dentro do campus, a Polícia Militar, que segundo dados recentes mata mais do que todas as forças policiais dos EUA somadas, acaba por ser transformada apenas na luta de uma elite mimada, de riquinhos entediados e grupelhos de extrema-esquerda depois do “tratamento” midiático dado à questão.
Resta à mídia apenas lamentar a falta de um massacre para ilustrar ainda mais seu noticiário e suas capas de jornais. Mas o assunto continuará ainda por muito tempo dando ibope e será trazido à tona sempre que houver interesse em criminalizar as lutas dos estudantes.
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[Raphael Tsavkko Garcia é jornalista, blogueiro e mestrando em Comunicação]
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