7 de nov. de 2011

A Pele que Habito


Almodóvar, como sempre, consegue surpreender com uma história absolutamente original (embora seja uma adaptação), cheia de intrigantes jogos psicológicos e de construção de personagem. Tentando colocar humor através de sua excentricidade característica (como em um personagem vestido de tigre, por exemplo) e um suspense mais maduro (talvez mais próximo de Hitchcock), ele parece flutuar entre os dois gêneros, embora sem atingir a excelência em nenhum deles. De qualquer forma, é louvável que ele saia de sua zona de conforto, como bem salienta a crítica do Cineclick abaixo. Mas também, por mais que gostemos dele, não dá para fechar os olhos para o que o filme tiver de pior, conforme a Neusa Barbosa do Cineweb identifica. De qualquer forma, o saldo para mim é como sempre, bastante positivo.

Minha Cotação: * * * *




Crítica Cineclick
31/10/2011 13h10
Roberto Guerra

http://www.cineclick.com.br/criticas/ficha/filme/a-pele-que-habito/id/2833

Pedro Almodóvar é um cineasta corajoso. Aclamado, reconhecido, premiado, poderia trabalhar em sua zona de conforto e desfrutar os louros da fama estabelecida reciclando o que vem fazendo, e muito bem, ao longo de sua carreira. Ousado, preferiu arriscar-se. Em seu novo longa, A Pele Que Habito, chega ao paroxismo da mescla de gêneros levando às telas um filme angustiante, doentio, terrível em alguns momentos, mas com narrativa extraordinariamente sóbria, espontânea, e de uma genuína intensidade criadora.

A Pele Que Habito é um filme diferente na cinematografia do diretor, mas indiscutivelmente um Almodóvar. Estão lá suas obsessões com traição, solidão, identidade sexual e morte. Os planos almodavarianos, os close-ups e as cores - estas mais sombrias - estão lá. A estes elementos típicos de seu cinema, o cineasta acrescentou um misto de ficção científica e horror. Uma amálgama tão complexa, um híbrido tão instável, que somente alguém talentoso como ele poderia ter misturado tais elementos sem criar uma bomba.

A história improvável traz Antonio Banderas como uma espécie de Dr. Frankeinstein, um cientista louco e obstinado, um bem-sucedido cirurgião plástico que, após a trágica morte de sua esposa (que teve o corpo inteiramente queimado em um acidente), parte em busca de uma “pele perfeita”, que poderia tê-la salvado. Sem limites em sua insaciável busca, é capaz de tudo para realizar sua façanha científica. Como os médicos loucos do cinema clássico, recorre a expedientes que variam do questionável ao simplesmente atroz para alcançar seus propósitos. A ‘pele que habito” do título tem diversos sentidos na narrativa, sendo tanto a pele literal quanto a noção metafórica de identidade pessoal.

Abarcar o filme num simples texto crítico é tarefa complexa diante da grandiosidade da obra. O filme transita pela ficção científica e o cinema de terror dos anos 1930 em uma trama densa, repleta de melindres, que oferece novas aberturas e pontos de vista dependendo da perspectiva de quem observa, criando um clima essencialmente dúbio que remete ao cinema noir e seus personagens fracos e moralmente ambíguos.

Ao longo do filme, Almodóvar vai e volta no tempo construindo a historia de forma que as emoções do espectador fiquem sempre no ar, na expectativa do que pode acontecer no momento seguinte. É notável o domínio do diretor sobre o espaço cênico e sobre os limites de seus atores. Temos um Antonio Banderas impecável e seguro no papel do doutor Robert Ledgard. A bela atriz espanhola Elena Anaya, por sua vez, é uma revelação no papel principal. Um deleite visual explorado em série de belíssimos close-ups no quais se revela por meio de olhares entre resignados e selvagens.

É fascinante ver Pedro Almodóvar, que criou uma estética narrativa própria e se estabeleceu ao longo de anos como um dos grandes cineastas de seu tempo, reinventar-se e apresentar algo totalmente diferente. Seu filme sobre vingança, amor, ódio e os limites éticos da ciência é um brinde à criatividade e ao domínio da técnica cinematográfica.

É possível que muitos fãs do diretor se sintam desconfortáveis com esta obra estranha, este suspense sombrio e distante do universo tradicional do diretor, sem tanto senso de humor, sem lágrimas. Por outro lado, é impossível sair indiferente de uma sessão de A Pele que Habito.


Crítica Cineweb
03/11/2011
Neusa Barbosa

http://www.cineweb.com.br/filmes/filme.php?id_filme=3529

Em A Pele que Habito, que concorreu à Palma de Ouro em Cannes este ano, Pedro Almodóvar dialoga um tanto esquizofrenicamente com os dois lados de sua obra intensa e carnal, que vem construindo desde seu primeiro longa, Pepi, Luci, Bom e outras garotas de montão (1980).

Convivem dentro da história tanto o diretor iconoclasta da primeira fase, em que realizou filmes aguerridos como Labirinto de Paixões, Matador e A lei o desejo, numa época em que não dispunha ainda de orçamentos que lhe garantissem toda qualidade técnica, quanto o cineasta maduro da fase mais recente, de algum modo obcecado por explicitar suas referências, como se viu no recente Abraços Partidos.

O desejo de uma volta à pulsão do início de sua carreira evidencia-se igualmente no retorno do ator Antonio Banderas, longos 22 anos depois de Ata-me!.

Como raríssimas vezes antes (a outra ocasião, em Carne Trêmula), Almodóvar inspirou-se em obra alheia para compor seu roteiro, neste caso, o livro Mygale, de Thierry Jonquet, que leu há 10 anos. Dele guardou a figura do pai que conduz uma vingança, aqui por um estupro cometido contra sua filha, temperando-o com elementos científicos ligados a manipulações genéticas – um assunto que soa estranho no universo almodovariano, mas estranheza é a matéria-prima desta história.

Banderas é esse pai, Robert Ledgard, um cirurgião plástico que pesquisa a criação de pele artificial, depois de perder a mulher, gravemente queimada num acidente de automóvel. Na verdade, há outros fatos ligados à morte da mulher, bem como ao suposto estupro da filha (Blanca Suárez). A vingança contra o estuprador (Jan Cornet) é o segmento que reserva os elementos mais drásticos e bizarros. É quando entra em cena Vera (Elena Anaya, que já trabalhara com o diretor antes em Fale com Ela), uma mulher de identidade misteriosa, que é ao mesmo tempo cobaia e prisioneira do cirurgião num luxuoso bunker, onde ela é vigiada e atendida 24 horas por dia por Marilia (Marisa Paredes).

Há uma referência direta ao filme Os olhos sem rosto (1960), do francês Georges Franju, um parentesco que Almodóvar assume sem problemas, e também ao famoso personagem do dr. Frankenstein, de Mary Shelley – já que em todos os casos há um homem da ciência ultrapassando limites, brincando de Deus não só por mera ambição, mas em nome da primazia de uma conquista, ou da superação de uma culpa insuportável.

Admitidas todas as inspirações e os cruzamentos de gêneros – e Almodóvar não nega que hoje o thriller é seu favorito, firmando uma disposição em ser uma espécie de Hitchcock latino de nossos dias -, há todos os indícios da busca de uma nova transgressão, numa chave diversa daquela que marcou seus primeiros filmes. Neste sentido, nenhum intérprete mais adequado do que Antonio Banderas, impregnado do horror frio que percorre o filme, em que personagens, como Robert e Marilia, são capazes de dizer as coisas mais criminosas como se fossem normais. Com a insensibilidade que só os psicopatas podem ter.

Esta frieza parece estranha no ninho de Almodóvar, e o que é pior, algo que não resulta totalmente convincente. Na revelação da verdade sobre Vera, Almodóvar ultrapassa alguns limites, perde a medida e toca a ponta do mau gosto. Falta um toque da sua boa e velha ironia, entre outras coisas. Por isto, os fãs de melodramas com outra temperatura, como Tudo sobre Minha Mãe, Fale com Ela e Volver, poderão, é certo, sentirem-se traídos pela nova investida do diretor.

Um outro problema está nas referências ao Brasil, especialmente no desenho do personagem, Zeca/Tigre (o ator espanhol Roberto Álamo), que resulta na caricatura da caricatura. Chega a ser ofensivo, ainda mais pela intimidade que Almodóvar tem com o Brasil, país que visita regularmente, que o cineasta formule um personagem grotesco nestes termos. O outro vestígio do país, este mais positivo, é a música Pelo Amor de Amar, cantada em português pela espanhola Ana Mena.


FICHA TÉCNICA


Diretor: Pedro Almodóvar
Elenco: Antonio Banderas, Elena Anaya, Marisa Paredes, Jan Cornet, Roberto Álamo, Blanca Suárez, Eduard Fernández, José Luis Gómez, Bárbara Lennie, Susi Sánchez
Produção: Agustín Almodóvar, Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar, baseado no livro de Thierry Jonquet
Fotografia: José Luis Alcaine
Trilha Sonora: Alberto Iglesias
Duração: 133 min.
Ano: 2011
País: Espanha
Gênero: Suspense
Cor: Colorido
Distribuidora: Paris Filmes
Estúdio: Buena Vista International / Canal + España / El Deseo S.A. / FilmNation Entertainment / Televisión Española (TVE) / World Cinema Fund
Classificação: 16 anos





2 comentários:

  1. Parece que o Banderas se cansou de participar de tantas bobagens e fez um retorno às origens quando atuava nos filmes de Almodóvar.
    Ah, aproveitei para viajar nas suas viagens.
    Saudades, beijos

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  2. Oi, Jussara. Realmente, e o Banderas está ótimo nesse filme. Saudades, valeu pela visita. Bjs.

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