Filma que prima pela aparente frieza com que retrata uma história que poderia ser cheia de emoção. Um menino abandonado pelos pais. Uma mulher que resolve cuidar dele. Personagens que buscam desesperadamente ser amados por pessoas que não se importam. Os temas são quase melodramáticos, por isso é bastante interessante como destoam da forma como os diretores belgas resolvem retratá-lo. Apesar da dureza narrativa, os dramas estão todos lá, principalmente nos personagens do pai e do filho, em interpretações cheias de nuances. No entanto, beira o insuportável (e por vezes repetitivo) o personagem da criança irritante que não entende que foi abandonada.
Minha Cotação: * * *
Crítica | Cinema em Cena
por Pablo Villaça
http://www.cinemaemcena.com.br/plus/modulos/filme/ver.php?cdfilme=11945
Dirigido por Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne. Com: Thomas Doret, Cécile De France, Jérémie Renier, Fabrizio Rongione, Egon Di Mateo, Olivier Gourmet.
Os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne dirigiram, ao longo de sua carreira, ao menos duas verdadeiras obras-primas: O Filho e A Criança. Seguindo sempre uma estética e uma abordagem narrativa que muito devem ao neo-realismo, com seus longos planos que constroem a ação através da observação dos personagens e de seus comportamentos, os cineastas infelizmente parecem ter se acomodado em seu próprio estilo – e se O Silêncio de Lorna representava um esforço interessante, mas aquém do esperado, este novo O Garoto da Bicicleta soa apenas como os Dardenne sendo... os Dardenne.
Trazendo o estreante Thomas Doret como o personagem-título, o longa acompanha os esforços do garotinho Cyril para encontrar o pai (Renier) depois que este o deixou “temporariamente” em um internato. Recusando-se a acreditar que o sujeito teria vendido sua tão amada bicicleta, o menino acaba fugindo da instituição para visitar o apartamento no qual viviam, acabando por esbarrar com a cabeleireira Samantha (De France), que encontra a bicicleta com outra criança da vizinhança, comprando-a e entregando-a para o garoto. A partir daí, Cyril passa os fins de semana com a moça embora jamais estabeleça com esta uma aproximação real, mostrando-se mais interessado, por exemplo, em impressionar um jovem marginal local (Di Mateo).
Com a câmera mantida constantemente na altura dos olhos do pequeno protagonista, os Dardenne, como de hábito, investem em longos planos que buscam não só colocar o espectador no lugar de Cyril, mas também construir um universo verossímil a partir dos detalhes das ações dos personagens – como no instante em que Guy, o pai do menino, hesita ao pegar um dinheiro que lhe é entregue ou no momento em que um rapaz constata assustado as consequências de ter atirado uma pedra em alguém. Mantendo-se sempre em movimento ao seguir Cyril, que jamais permanece parado, O Garoto da Bicicleta traz um componente novo na filmografia dos Dardenne ao empregar passagens musicais como forma de ilustrar transições significativas na trajetória do menino, já que, de modo geral, os cineastas haviam sempre optado por empregar apenas sons diegéticos em suas narrativas – mas o fato é que a opção aqui feita funciona bem.
Talentoso e surpreendentemente natural para um estreante, o pequeno Thomas Doret retrata Cyril como uma criança que, provavelmente em função de uma vida ao lado de um pai despreparado, mostra-se sempre capaz de se defender, exibindo iniciativa diante de qualquer obstáculo. Por outro lado, sua dureza habitual ocasionalmente cede lugar a uma carência tocante, como no instante em que tenta buscar várias desculpas para prolongar um encontro com o pai ou ao sorrir brevemente diante de uma brincadeira feita por Samantha. De modo geral, porém, um dos grandes problemas de O Garoto da Bicicleta reside nas bruscas mudanças sofridas pelo menino a partir do terceiro ato, quando subitamente deixa de ser o agressivo marginal em construção para se tornar um garoto doce e dedicado à guardiã.
Neste sentido, aliás, a personagem vivida por Cécile De France também peca pela unidimensionalidade, já que é vista pelo filme como uma verdadeira santa desde sua primeira aparição em cena – e a partir de certo ponto torna-se difícil acreditar que alguém suportaria um comportamento tão violento por parte de alguém com quem nenhuma relação afetiva foi construída de fato (e este é outro imenso tropeço do longa, já que o amor de Samantha por Cyril surge instantaneamente, como num passe de mágica). Este descuido com os personagens – algo atípico no que diz respeito aos Dardenne – é recorrente em O Garoto da Bicicleta: se por um lado o bandido Wes demonstra cuidado com a avó, por outro suas más intenções com relação a Cyril são sempre óbvias, ao passo que o ultimato feito pelo namorado de Samantha (“Ele ou eu!”) é patético em sua artificialidade. Na realidade, o único que realmente se destaca em sua composição é mesmo Jérémie Renier, que aqui cria quase uma continuação de seu personagem em A Criança ao estabelecer Guy como um sujeito que, mesmo covarde e irresponsável, surge como um homem envergonhado do próprio egoísmo. (O elenco ainda traz o fantástico Olivier Gourmet, de O Filho, em uma ponta como um garçom.)
Usando a camisa sempre vermelha de Cyril quase como um componente de sua personalidade (e é sintomático que ele apareça usando uma blusa azul apenas na cena da audiência), O Garoto da Bicicleta comete o maior de seus erros ao superestimar a capacidade do público de tolerar um protagonista que beira o insuportável.
Não é um filme ruim, mas certamente é um ponto baixo na carreira de seus excepcionais diretores.
FICHA TÉCNICA
Diretor: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
Elenco: Thomas Doret, Cécile De France, Jérémie Renier, Fabrizio Rongione, Egon Di Mateo, Olivier Gourmet, Batiste Sornin, Samuel De Rijk, Carl Jadot, Claudy Delfosse, Jean-Michel Balthazar
Produção: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne, Denis Freyd
Roteiro: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
Fotografia: Alain Marcoen
Duração: 87 min.
Ano: 2011
País: Bélgica/ Itália/ França
Gênero: Drama
Cor: Colorido
Distribuidora: Imovison
Estúdio: Les Films du Fleuve
Crítica | Cinema em Cena
por Pablo Villaça
http://www.cinemaemcena.com.br/plus/modulos/filme/ver.php?cdfilme=11945
Dirigido por Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne. Com: Thomas Doret, Cécile De France, Jérémie Renier, Fabrizio Rongione, Egon Di Mateo, Olivier Gourmet.
Os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne dirigiram, ao longo de sua carreira, ao menos duas verdadeiras obras-primas: O Filho e A Criança. Seguindo sempre uma estética e uma abordagem narrativa que muito devem ao neo-realismo, com seus longos planos que constroem a ação através da observação dos personagens e de seus comportamentos, os cineastas infelizmente parecem ter se acomodado em seu próprio estilo – e se O Silêncio de Lorna representava um esforço interessante, mas aquém do esperado, este novo O Garoto da Bicicleta soa apenas como os Dardenne sendo... os Dardenne.
Trazendo o estreante Thomas Doret como o personagem-título, o longa acompanha os esforços do garotinho Cyril para encontrar o pai (Renier) depois que este o deixou “temporariamente” em um internato. Recusando-se a acreditar que o sujeito teria vendido sua tão amada bicicleta, o menino acaba fugindo da instituição para visitar o apartamento no qual viviam, acabando por esbarrar com a cabeleireira Samantha (De France), que encontra a bicicleta com outra criança da vizinhança, comprando-a e entregando-a para o garoto. A partir daí, Cyril passa os fins de semana com a moça embora jamais estabeleça com esta uma aproximação real, mostrando-se mais interessado, por exemplo, em impressionar um jovem marginal local (Di Mateo).
Com a câmera mantida constantemente na altura dos olhos do pequeno protagonista, os Dardenne, como de hábito, investem em longos planos que buscam não só colocar o espectador no lugar de Cyril, mas também construir um universo verossímil a partir dos detalhes das ações dos personagens – como no instante em que Guy, o pai do menino, hesita ao pegar um dinheiro que lhe é entregue ou no momento em que um rapaz constata assustado as consequências de ter atirado uma pedra em alguém. Mantendo-se sempre em movimento ao seguir Cyril, que jamais permanece parado, O Garoto da Bicicleta traz um componente novo na filmografia dos Dardenne ao empregar passagens musicais como forma de ilustrar transições significativas na trajetória do menino, já que, de modo geral, os cineastas haviam sempre optado por empregar apenas sons diegéticos em suas narrativas – mas o fato é que a opção aqui feita funciona bem.
Talentoso e surpreendentemente natural para um estreante, o pequeno Thomas Doret retrata Cyril como uma criança que, provavelmente em função de uma vida ao lado de um pai despreparado, mostra-se sempre capaz de se defender, exibindo iniciativa diante de qualquer obstáculo. Por outro lado, sua dureza habitual ocasionalmente cede lugar a uma carência tocante, como no instante em que tenta buscar várias desculpas para prolongar um encontro com o pai ou ao sorrir brevemente diante de uma brincadeira feita por Samantha. De modo geral, porém, um dos grandes problemas de O Garoto da Bicicleta reside nas bruscas mudanças sofridas pelo menino a partir do terceiro ato, quando subitamente deixa de ser o agressivo marginal em construção para se tornar um garoto doce e dedicado à guardiã.
Neste sentido, aliás, a personagem vivida por Cécile De France também peca pela unidimensionalidade, já que é vista pelo filme como uma verdadeira santa desde sua primeira aparição em cena – e a partir de certo ponto torna-se difícil acreditar que alguém suportaria um comportamento tão violento por parte de alguém com quem nenhuma relação afetiva foi construída de fato (e este é outro imenso tropeço do longa, já que o amor de Samantha por Cyril surge instantaneamente, como num passe de mágica). Este descuido com os personagens – algo atípico no que diz respeito aos Dardenne – é recorrente em O Garoto da Bicicleta: se por um lado o bandido Wes demonstra cuidado com a avó, por outro suas más intenções com relação a Cyril são sempre óbvias, ao passo que o ultimato feito pelo namorado de Samantha (“Ele ou eu!”) é patético em sua artificialidade. Na realidade, o único que realmente se destaca em sua composição é mesmo Jérémie Renier, que aqui cria quase uma continuação de seu personagem em A Criança ao estabelecer Guy como um sujeito que, mesmo covarde e irresponsável, surge como um homem envergonhado do próprio egoísmo. (O elenco ainda traz o fantástico Olivier Gourmet, de O Filho, em uma ponta como um garçom.)
Usando a camisa sempre vermelha de Cyril quase como um componente de sua personalidade (e é sintomático que ele apareça usando uma blusa azul apenas na cena da audiência), O Garoto da Bicicleta comete o maior de seus erros ao superestimar a capacidade do público de tolerar um protagonista que beira o insuportável.
Não é um filme ruim, mas certamente é um ponto baixo na carreira de seus excepcionais diretores.
FICHA TÉCNICA
Diretor: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
Elenco: Thomas Doret, Cécile De France, Jérémie Renier, Fabrizio Rongione, Egon Di Mateo, Olivier Gourmet, Batiste Sornin, Samuel De Rijk, Carl Jadot, Claudy Delfosse, Jean-Michel Balthazar
Produção: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne, Denis Freyd
Roteiro: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
Fotografia: Alain Marcoen
Duração: 87 min.
Ano: 2011
País: Bélgica/ Itália/ França
Gênero: Drama
Cor: Colorido
Distribuidora: Imovison
Estúdio: Les Films du Fleuve
Fiquei irritada com o menino... Não sabia se era eu que estava propensa rapidamente à irritações ou se era o menino que arrastava a minha irritação com suas atitudes... Ainda bem que podemos compartilhar essas impressões... rs
ResponderExcluirRealmente é complicado aturar esse menino.
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