10 de set. de 2012

Bom Retiro, Satyricon e Morte


As últimas no teatro...


'Bom Retiro 958 metros' é uma peça do grupo Teatro da Vertigem, responsável sempre por espetáculos  em lugares diferentes do normal. Na peça "Apocalipse 1,11", toda a encenação acontecia dentro de um presídio e em "O Livro de Jó" em um hospital. Dessa vez, o grupo explora um shopping e as ruas do Bom Retiro. O painel é muito interessante, mostrando desde o desejo de consumo até a exploração de trabalhadores, passando ainda pela personagem de uma manequim defeituosa procurando emprego. O elenco é sempre eficiente e a direção parece aproveitar bem todo o potencial do elenco e dos lugares em que eles circulam. A peça também impressiona pela logística, já que envolve diversas interações com prédios da região e pelas ruas do bairro. Imperdível.




As peças do grupo "Os Satyros" em geral esbanjam sexualidade, como era o caso por exemplo de "Os 120 Dias de Sodoma". Por conta disso, parece natural que o grupo adapte a obra "Satyricon", que já virou filme de Frederico Fellini (1969), e que também conta com diversas cenas de sexo. A adaptação do grupo é visualmente forte, conta com diversas cenas impactantes e desenvolve uma emocionante história de um triângulo amoroso homossexual. A dramaturgia perde o ritmo e erra a mão em alguns momentos, mas no geral o espetáculo instiga e interessa.




Em 'A Doença da Morte', acompanhamos dois personagens que vivem uma relação, em que parece nunca se encontrarem. Ele sofre da doença da morte, é incapaz de se relacionar ou estar com a mulher com inteiro. Enfim, o tema é interessante, uma pena que tenho muita dificuldade com peças muito abstratas, minha mente divaga para bem longe do texto. O que eu poderia esperar: Marguerite Duras, autora do texto, foi também roteirista de "Hiroshima Mon Amour", um clássico do cinema, que também prima por essa característica. Mas é uma peça bem encenada, com bons atores, que deve ser interessante para aqueles que conseguirem se envolver pelo texto.

Nota: Já saiu de cartaz. 







Uma mulher vaga pelo Bom Retiro, obsessiva por um
vestido vermelho
Tendo a rua como palco, Teatro da Vertigem celebra 20 anos com peça sobre o Bom Retiro

Do UOL, em São Paulo
http://guia.uol.com.br/sao-paulo/teatro/noticias/2012/06/15/tendo-a-rua-como-palco-teatro-da-vertigem-celebra-20-anos-com-peca-sobre-o-bom-retiro.htm

O que acontece no bairro paulistano do Bom Retiro quando o comércio fecha suas portas, as pessoas vão dormir e as ruas ficam desertas? É essa a investigação do Teatro da Vertigem, grupo teatral criado nos anos 1990 em São Paulo, em seu novo espetáculo, “Bom Retiro 958 metros”. A peça estreia na sexta-feira (15) e fica em cartaz até setembro, comemorando os 20 anos da trupe.

A proposta do grupo é uma caminhada pela região, fazendo um “mergulho” nas memórias do bairro. O ponto de encontro é a Oficina Cultural Oswald de Andrade. De lá, o público será encaminhado ao local do espetáculo. Como a peça percorre lugares como corredores, há a um número máximo de pessoas que podem acompanhar o andamento das cenas. Os metros do título fazem referência ao trajeto percorrido.

Uma das principais personagens, que acompanhamos
pelo shopping do Bom Retiro
Há pelo menos dois anos, o Teatro da Vertigem tem voltado sua atenção para o bairro paulistano, onde a imigração italiana foi intensa, que vive hoje principalmente do comércio. Antes do espetáculo, porém, o “estudo” da região ocorria em seminários e palestras que abordavam, entre outros assuntos, tensões geradas com a convivência de descendentes de italianos, bolivianos e coreanos.

O "currículo" do Teatro de Vertigem é marcado pela exploração de espaços públicos. Em 1992, por exemplo, a primeira peça do grupo, "O Paraíso Perdido", foi encenada na Igreja Santa Ifigênia, centro de São Paulo.

A produção recomenda ao público que chegue 15 minutos antes do início para a locomoção até o local do espetáculo. Se houver chuva, o espetáculo será cancelado.

Bom Retiro 958 Metros
Quando: de 15 de junho até 30 de outubro; quinta a sábado às 21h, domingo às 19h
Onde: Oficina Cultural Oswald de Andrade - Rua Três Rios, 363 – Bom Retiro – São Paulo/SP (ponto de encontro)
Quanto: R$ 30,00 (inteira)
Mais informações: 011 3255 2713
Venda de ingressos: Pelo telefone 11 40035588, pelo site www.ticketsforfun.com.br (não haverá venda no local)
Lotação: 60 lugares
Duração: 110 min (sem intervalo)
Recomendação: 16 anos



Caminhar pelas ruas do Bom Retiro, vazio e durante a noite,
é uma das experiências que a peça proporciona
Texto do programa


"Este trabalho tem como ponto de partida o desejo de fazer do espaço urbano um campo de experimentação artística. O que agora se compartilha com o público é uma criação dramatúrgica e cênica resultante da experiência de imersão do grupo, no bairro do Bom Retiro.

Na fase de preparação, deram-se os primeiros encontros de estudos teóricos e foram realizados três ciclos de palestras abertas ao público. Num segundo momento, as visitas de reconhecimento e as derivas, bem como as entrevistas e o trabalho prático, com improvisações e workshops, compuseram a etapa da pesquisa de campo.

Tal percurso foi revelando e, simultaneamente, delineando os principais eixos de investigação do trabalho: a moda, a imigração, o consumo e as relações de trabalho no contexto desse bairro que se destaca por exercer, ao longo de sua história, o papel de uma significativa porta de entrada da cidade. Uma área geográfica que, além de ser um lugar de passagem, se singulariza pela combinação e tensão entre as diferentes etnias que aqui permanecem e co-habitam, sobretudo judeus, coreanos e bolivianos.

À medida que se intensificava a vivência do grupo no bairro e essa experiência ganhava expressão em material cênico, tal fricção produziu esboços de personagens, imagens e situações que criaram o substrato dramatúrgico a ser desenvolvido na confecção do texto.

Neste espetáculo, que ao mesmo tempo é intervenção e deambulação cênica, o público se deslocará pelo bairro e com ele esperamos partilhar um pouco de nossas descobertas e de nossas incertezas."




Em 'Satyricon', o grupo Os Satyros cria
um triângulo amoroso homossexual
Projeto Satyros Satyricon retoma trilogia sobre obra de Petrônio

Michel Fernandes, do Aplauso Brasil/ iG (Michel@aplausobrasil.com)

Projeto Satyros Satyricon está de volta

SÃO PAULO – Atendendo a pedidos do público, a partir de hoje, está de volta o projeto Satyros Satyricon cuja proposta propõe um mergulho sobre a obra de Petrônio por meio da trilogia Trincha, Satyricon, a Peça e Suburra (CONFIRA O SERVIÇO AO FINAL DA MATÉRIA).

http://colunistas.ig.com.br/aplausobrasil/2012/08/11/projeto-satyros-satyricon-retoma-trilogia-sobre-obra-de-petronio/

Em entrevista concedida ao Aplauso Brasil, Rodolfo García Vázquez fala mais sobre a trilogia.

Aplauso Brasil – Como surgiu a ideia de encenar Petrônio?

Rodolfo García Vázquez – Na verdade, desde a fundação do grupo tínhamos a questão do Satyricon. Logo em um dos nossos primeiros trabalhos, Saló Salomé, um crítico havia dito que a atmosfera do espetáculo lembrava o Satyricon de Fellini. Três anos atrás, durante uma temporada nossa no Rio de Janeiro, um espectador carioca nos lançou uma provocação. Ele comentou que a obra de Petrônio dialogava profundamente com algumas questões presentes no trabalho do grupo. Achamos interessante o desafio e começamos a encontrar a nós mesmos em Petrônio.

Em algumas cenas, a peça atualiza as
questões do texto de Petrônio
AB – O que você e o grupo desejavam abordar que encontraram em Satyricon?

Rodolfo García Vázquez – A questão da escravidão contemporânea, a luta pela sobrevivência, a busca desenfreada pelo prazer, as possibilidades inúmeras do amor… tudo isso vemos em Petrônio e em nós. Tentamos mais de cinco editais diferentes e todos nos negaram a possibilidade de fazer o trabalho. No final das contas, acabamos assumindo a montagem por nosso próprio risco.

AB – Por que da divisão em três partes?

Rodolfo García Vázquez – Nossa investigação inicial estava focada na performatividade. O trabalho se dirigia para algo bastante distante do texto de Petrônio. No entanto, havia algo de maravilhoso naquelas palavras tão antigas que também não poderíamos negar. Buscamos, assim, abordar o tema Satyricon através de três espetáculos distintos, formando uma Trilogia.

AB – O que você pretende abordar em cada uma delas? Assistindo a uma dela é necessário assistir a todas para entender cada uma?

Rodolfo García Vázquez – Uma dessas partes, Satyricon a peça, tem o formato do teatro tradicional, com a criação de personagens e situações, estabelecendo pontes entre o texto de Petrônio, a nossa realidade de Praça Roosevelt e os debates intensos da Sociedade do Espetáculo e do conceito de Multidão. Evaldo Mocarzel fez uma belíssima junção de todas estas discussões e nos proporcionou um texto de excepcional atualidade. Os dois outros espetáculos, no entanto, não tem a forma de teatro tradicional e buscam proporcionar ao espectador  uma série de estímulos visuais, sonoros, corpóreos, para o levar a viver uma experiência teatral. Trincha é um espetáculo de 45 minutos composto por uma instalação cênica de 400 m² e 40 atores com ações simultâneas. O espectador visita a instalação e cria seu percurso estético durante esse tempo. A instalação trata da vida no Império globalizado de hoje, onde línguas e figuras se mesclam com as dificuldades de comunicação. Suburra parte da ideia de uma balada cênica. Suburra foi o maior bairro de prostituição da Antiguidade, e estava localizado em Roma na época de Petrônio. A ideia desta balada é a comemoração irônica da “ginástica para a libertação dos escravos do século XXI”. Através de performances, happenings, canções e danças multiculturais, público e atores constroem estes espetáculo único.

AB – Essa encenação, também uma nova linha de pesquisa, coloca em recesso a pesquisa sobre o Teatro Expandido?

Rodolfo García Vázquez – Ao contrario, um dos aspectos fundamentais da reflexão sobre o Teatro Expandido é justamente de que o teatro não pode mais se limitar às formas tradicionais. O diálogo com outras artes, em especial a performance, a dança e as artes visuais, está nos levando a investigar possibilidades novas de manifestações teatrais. Trincha e Suburra fazem parte dessa investigação. O teatro expandido também é um teatro líquido, que se molda a novas formas e possibilidades, em um mundo em que todas as fronteiras tornam-se mais e mais flexíveis.

Satyros’ Satyricon

Trincha
Sinopse: Uma instalação performática que reproduz a vida no submundo das grandes cidades. Um encontro de indivíduos conectados por redes e tecnologias em um sistema funcional e conectado
Quando: sábados e domingo, às 20h
Quanto: R$ 10,00 e R$ 5,00 (Estudantes, Classe Artística e Terceira Idade, Oficineiros dos Satyros e moradores da Praça Roosevelt)
Lotação: 120 lugares
Duração: 40 minutos
Recomendação: maiores de 18 anos
Temporada: de 11 de agosto a 25 de novembro

Satyricon
Sinopse: três ex-gladiadores formam um triângulo amoroso e fazem malabarismos para conseguir sobreviver. Os personagens frequentam do submundo às festas da elite romana se prostituindo e cometendo furtos, em busca da sobrevivência diária
Quando: sábados e domingos, às 21h
Quanto: sábados: R$ 30,00 / R$ 15,00 (Estudantes, Classe Artística e Terceira Idade); R$ 5,00 (moradores da Praça Roosevelt)

Domingos: R$ 20,00 / R$ 10,00 (Estudantes, Classe Artística e Terceira Idade); R$ 5,00 (moradores da Praça Roosevelt)

Lotação: 80 lugares
Duração: 90 minutos
Recomendação: maiores de 18 anos
Temporada: de 11 de agosto a 25 de novembro

Suburra
Sinopse: A festa dos escravos do Século XXI. Uma rave teatral em que o público é convidado a participar das performances dos atores. Assuntos relativos ao trabalho são proibidos.
Quando: sábados, às 23 h
Quanto: R$ 20,00 / R$ 10,00 (Estudantes, Classe Artística e Terceira Idade); R$ 5,00 (moradores da Praça Roosevelt)
Lotação: 80 lugares
Duração: 90 minutos
Recomendação: maiores de 18 anos
Temporada: De 11 de agosto a 25 de novembro





Paula Cohen e Eucir de Souza em cena da peça

'A Doença da Morte' ganha adaptação para o teatro
http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,a-doenca-da-morte-ganha-adaptacao-para-o-teatro,893448,0.htm

A densidade e a poesia sobre a impossibilidade de amar, características da obra de Marguerite Duras (1914-1996), emergem sob o diálogo turbulento entre um casal na peça "A Doença da Morte", no Teatro Augusta, até 26 de agosto. Originalmente concebido como obra literária, o texto de 1982 já tinha a indicação da autora, nascida na Indochina (atual Vietnã), de pais franceses, e conhecida pelo romance autobiográfico "O Amante", para que fosse levado ao palco.

Esta montagem foi concretizada graças ao esforço da produtora Lulu Librandi, que, há três anos, já havia produzido na cidade outro espetáculo da escritora, "A Música Segunda". Lulu convidou o diretor Marcio Aurelio para comandar a encenação de agora. Ele também é um apaixonado pela obra de Marguerite, desde quando, na juventude, assistiu a "Hiroshima, Meu Amor", filme de 1959, com direção do cineasta francês Alain Resnais e cujo roteiro é dela.

"A Doença da Morte", traduzida por Vadim Nikitin, traz o embate amoroso entre um homem e uma mulher. Ela é contratada por ele para que lhe ensine a amar. "A personagem feminina detecta nele a doença da morte, que, para ela, é a incapacidade de amar, de conseguir se relacionar, de ver o outro, de estar com o outro, de não só se relacionar com os seus pequenos autismos pessoais", diz a atriz Paula Cohen, intérprete do papel. Paula divide o palco com o ator Eucir de Souza, em uma atuação que demonstra bastante intimidade do casal em cena.

O ator diz que ficou impressionado com a identificação que o texto provocou nele e considera que todos temos, em algum grau, a "doença da morte". "Quando comecei a estudá-lo mais a fundo, percebi que trata de uma questão pertinente muito latente hoje, que é essa incapacidade de a gente ver o outro, amar e entender que ali tem uma vida e que aquela pessoa também tem suas vontades."

E cabe ao espectador dar sua interpretação ao que vê neste duelo entre o masculino e o feminino. "São muitas ações na cena, absolutamente nada realista. É encantatório porque você sai daquele realismo típico dos anos 1950 e entra para um texto completamente novo, ainda absolutamente sensível à realidade de hoje", diz Marcio Aurelio. As informações são do Jornal da Tarde.




Cidade Aberta
por Guilherme Conte

http://blogs.estadao.com.br/divirta-se/cidade-aberta/


Fotos: Patrícia Cruz




Para que serve uma obra de arte? O homem discute isso há mais de três mil anos, e esta reportagem não pretende nem de longe responder a esta questão. Mas ela surge muito forte quando se assiste a Bom Retiro, 958 Metros, o novo espetáculo do Teatro da Vertigem, que estreou em junho, teve sessões esgotadíssimas e agora anuncia prorrogação até dezembro.

A tarefa, afinal, é muito diferente da de ir assistir a uma peça ‘convencional’. O público tem que caminhar pelo (aparentemente) adormecido bairro até a porta de um shopping center. É lá que a ação começa. Depois, ganha-se a calçada e é feito um percurso, com cenas pelas ruas, fachadas e cantos – quando o espetáculo se confunde com a cidade. Até que se chega às ruínas de um antigo teatro abandonado, onde a peça termina.

O mês de novembro marca os 20 anos de vida do Vertigem, companhia que sempre busca espaços aos quais a cidade virou as costas para criar: uma igreja, um hospital psiquiátrico, um presídio, o Rio Tietê. Mas, pela primeira vez, o grupo se lança a um desafio que está ligado às raízes mais primordiais do teatro – a rua.

Acompanhamos mais de uma vez a peça, e conversamos com seus criadores para saber como nasce e é feito um espetáculo como esse; entender o trabalho de um grupo tão vivo e inquieto, filho inegável de São Paulo. E dono de um teatro que reúne excelência estética e procura intervir diretamente na cidade que o cerca e lhe dá origem.







No princípio, era um bairro: o Bom Retiro. Foi em 1998 que o Vertigem começou a se dedicar à criação da peça ‘Apocalipse 1,11’. O grupo passou cerca de um ano e meio ensaiando na Oficina Oswald de Andrade. “Estávamos o tempo todo no bairro. É impossível não ser atravessado por essa experiência”, explica o diretor Antônio Araújo. Assim, quando começaram a pensar no objeto da nova peça, o Bom Retiro surgiu como tema quase evidente.

De fato, ele é um bairro com uma das histórias mais peculiares dentro da formação da cidade de São Paulo. Ao longo de décadas, o Bom Retiro recebeu ondas imigratórias de judeus de diversas nacionalidades (sobretudo do leste europeu), libaneses, árabes, coreanos, bolivianos, italianos, paraguaios, gregos e armênios, entre outros. O comércio fervilhante, notadamente de roupas e tecidos, também esteve sempre em sua base mais essencial.

Hoje, talvez seu aspecto mais marcante seja o contraste entre o mar de gente que transita durante o dia e o deserto que impera por suas ruas à noite. Deserto, porém, só do lado de fora, porque por trás de muitas daquelas portas pessoas trabalham para confecções, em situação escrava ou perto disso. Isso faz do Bom Retiro cenário único na metrópole. E é desse complexo e multifacetado nó que a peça trata.

O grupo mergulhou literalmente no bairro. Ensaios eram feitos nos mais diferentes horários, pelas ruas, para tentar compreender o Bom Retiro em suas diferentes faces. E, logo em sua primeira incursão, o ator Roberto Audio foi parar na cracolândia. “Isso foi o mais marcante pra mim de todo esse trabalho”, conta. Ele voltou lá diversas vezes e chegou a passar três noites entre os cracômanos. “Coisas que ouvi foram parar na fala do meu personagem.”

E todas as figuras que aparecem na peça, oscilando entre contornos reais e uma aura espectral, nasceram ali: a consumidora obsessiva, os viciados, a manequim defeituosa que quer um emprego, as costureiras bolivianas. Todos estão na busca constante de alguma coisa. O shopping onde a peça começa aparece como lugar simbólico onde essas histórias se cruzam.





Mas, afinal, como fazer uma peça dessas na rua? O iluminador Guilherme Bonfanti conta que as soluções foram aparecendo durante o trabalho de campo. “Sempre pensamos na relação entre os materiais que vamos usar e o espaço em que estamos.” Foi assim que nasceu a (brilhante) ideia de fazer traquitanas para interferir nas próprias lâmpadas dos postes, ora apagando, ora criando impressionantes efeitos de cor. A caminhada rumo ao Taib vira uma experiência sensorial muito forte. Também foi assim que surgiu o carrinho utilizado para a projeção da trilha sonora, ao sair do shopping. Um híbrido entre futurismo e algo de besta de carga medieval (evocando às vezes a pintura de Hieronymus Bosch), ele reforça a atmosfera perturbadora, de pesadelo, que nos acompanha ao longo da peça.

Só o fato de se andar por aquelas ruas à noite já faz desta peça um ato de retomada da cidade. Preste atenção nas falas da noiva. Ela fala de ruas antigas, de coisas que existiam ali. E, quando lê seu texto em cima da marquise de uma antiga sinagoga, onde hoje funciona uma sorveteria, fica evidente que suas palavras e o espetáculo como um todo dependem também do encontro entre o público e o artista, naquele local, para existir. Essa peça só existe ali, naquele lugar, naquele momento. Uma obra que só foi concebida porque a cidade virou as costas para aquele lugar. E o teatro dá a ele um novo significado.

Alguns detalhes da encenação, visíveis ou invisíveis:

Improvisos
A peça foi nascendo em improvisações dos atores pelas ruas, chamadas de ‘derivas’. Muita coisa foi criada: cenas, histórias, ideias, soluções para este ou aquele lugar. Foi a partir disso que o escritor Joca Reiners Terron, convidado pelo grupo, criou o texto do espetáculo. Ele foi ensaiado, testado e modificado pelo elenco e pelos atores durante os ensaios.

Multiuso
Os atores desempenham diversos papeis ao longo do espetáculo: determinadas personagens, coros (cracômanos, um desfile de moda que acontece na rua, os consumidores que passam em diferentes momentos da peça). Há toda uma nova geração de atores no grupo, muitos deles jovens vindos de oficinas que aconteceram no Bom Retiro.

Essenciais
Conforme o processo avançava, ficava clara a importância e a necessidade de contrarregras para as cenas nas ruas: para carregar caixas de som, fazer operações de luz e projeções de imagens, cumprir determinadas tarefas para que os atores pudessem se trocar e chegar a tempo em outro lugar. Preste atenção nos figurinos de Marcelo Sommer e na forma como os contrarregras foram trazidos pra dentro da cena. A presença deles remete a um manequim, mas também tem algo de fantasmagórico.

Imprevisível
“A rua é tão pulsante, tão viva. Tudo parece gritar mais forte à nossa volta. E esse é o jogo”, diz a atriz Luciana Schwinden. Note como o trânsito reage ao irônico desfile de moda. Roberto Audio conta que já ganhou dinheiro de motoristas, já foi xingado e até já abriram a porta do carro para levá-lo a buscar ajuda. Esse é um dos grandes desafios para os atores, e também um dos lados mais fortes deste espetáculo – a condição de público é questionada o tempo todo. Qualquer coisa pode acontecer, a qualquer momento. É comum se perguntar: “isso faz parte da peça?”

A Casa do Povo
Inaugurado em 1960, o Teatro de Arte Israelita Brasileiro, Taib, ocupa um lugar importante na memória de muitos paulistanos. A Casa do Povo abriu suas portas para inúmeras produções profissionais e amadoras. Quando o Vertigem começou a trabalhar ali, em ruínas, seus vizinhos eram ratos, morcegos e pulgas. A situação de penúria ainda é comovente, mesmo após as transformações operadas pelo grupo (os antigos ‘moradores’ foram embora com o agito). A parte final da peça é encenada nele, e entrar em seu interior é emocionante.





Um pouco da trajetória do grupo:

Impossível pensar na trajetória do teatro brasileiro recente – e na própria história das artes cênicas no Brasil – sem destacar o papel fundamental do Teatro da Vertigem. Criado em torno do diretorAntônio Araújo, com uma turma de artistas saída da ECA-USP, seu trabalho teve desde o início uma busca por espaços abandonados. A primeira montagem, em 1992, ‘Paraíso Perdido’, ocupou a Igreja de Santa Ifigênia, no centro de São Paulo. Essa maneira de trabalhar fez – e faz até hoje– o grupo enfrentar resistências. Nada que impeça que, ao lado dos que figuram no grupo há muito tempo – como o ator Roberto Audio, a diretora Eliana Monteiro e o iluminador Guilherme Bonfanti –, esteja nascendo uma nova geração de atores. Além disso, o Vertigem trabalhou com diferentes dramaturgos ao longo dos anos: Luís Alberto de Abreu, Fernando Bonassi e Bernardo Carvalho, por exemplo. A dimensão política de seu trabalho, para além da excelência estética, também é uma de suas marcas mais fortes. Alguns dos trabalhos mais marcantes do Vertigem:

- Com dramaturgia de Luís Alberto de Abreu a partir do texto bíblico, O Livro de Jó (1995) era um visceral questionamento acerca das mazelas humanas por meio da peregrinação espiritual de Jó. A peça ocorria no Hospital Humberto Primo e marcou a ‘descoberta’ de Matheus Nachtergaele.

- Obra que concluiu a Trilogia Bíblica do grupo (iniciada em 92 com ‘Paraíso Perdido’), Apocalipse, 1, 11 (2000) foi inspirada no Apocalipse de São João. Era encenada no Presídio do Hipódromo e tinha texto de Fernando Bonassi a partir de processo colaborativo com o grupo. A montagem foi ensaiada por meses no Bom Retiro, deixando ecos que voltaram agora, em ‘Bom Retiro, 958 Metros’.

- Estreada em 2006, BR-3 marca talvez o ponto mais importante de inflexão na trajetória do grupo. Com texto de Bernardo Carvalho, a peça era realizada no Rio Tietê, e o público acompanhava a ambiciosa encenação de dentro de um barco. Com um final de temporada precoce e abrupto, o espetáculo representou um desgaste imenso para o grupo, que quase se desfez. Mas também marcou um salto em termos de reconhecimento internacional do grupo: no ano passado, ‘BR-3’ ganhou a Triga de Ouro, na 12ª Quadrienal de Praga, como melhor peça de teatro no mundo nos últimos cinco anos em termos de uso inovador da cidade como espaço cênico.







2 comentários:

  1. Ficou ótima essa matéria das peças! E eu vi todas! Gostou das aventuras no meio da rua na peça Bom Retiro? Realmente foi um bom mês de peças.

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    1. Gostei bastante da peça no Bom Retiro. Realmente uma aventura, quase pegamos fogo. rs. Foi ótimo.

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