"O Artista" é um filme cheio de referências e cenas emocionantes para cinéfilos. A referência mais óbvia é para "Cantando na Chuva", mas o filme tem uma série de outras homenagens. O resultado é instável. Em alguns momentos, emociona e empolga: como nas sequências que o diretor brinca com a ausência ou não do som. Mas o filme desiste de investir nessa ideia. O conceito do filme como uma produção da época do cinema mudo é interessante, mas perde força no decorrer da projeção. O uso da música de Bernard Herrmann, do clássico "Um Corpo que Cai" de Hitchcock, é emocionante (porque a música é um escândalo), mas não encontra reflexo apropriado nas imagens. Enfim, apesar dos altos e baixos, a história é envolvente e conta com os dois atores principais cheios de carisma e talento (ambos indicados ao Oscar). Escutei vários roncos durante o filme, então não sei se é um filme para todos; mas também escutei aplausos ao final da projeção, pois para aqueles que amam cinema (em particular o cinema antigo), é um presente.
UMA CURIOSIDADE ALGO FETICHISTA
Por LUIZ FERNANDO GALLEGO
10/2/2012
Por LUIZ FERNANDO GALLEGO
10/2/2012
http://www.criticos.com.br/new/artigos/critica_interna.asp?artigo=2303
A divulgação que O Artista vem merecendo faz com que dificilmente alguém compre sua entrada sem saber que foi feito como na época em que os atores falavam sem emitir sons nos filmes. As películas não tinham trilha sonora e eram em preto-e-branco. Talvez alguns espectadores tenham visto filmes de Chaplin desse período, podem até mesmo conhecer Metrópolis, de Fritz Lang, mas hoje em dia muitos não terão ideia de como eram as aventuras de capa-e-espada com Douglas Fairbanks Jr. e nem saibam que havia muitos melodramas lacrimosos na produção hollywoodiana da época. Nada disso impede que se goste de O Artista com seus aspectos cômicos e melodramáticos. E pela curiosidade que representa, em pleno século XXI, vermos um filme com jeitão da terceira década do século passado.
Pode ser que, mesmo sem conhecer qualquer versão de Nasce uma Estrela, o público se sinta familiarizado com o enredo em que um astro entra em declínio enquanto uma nova starlet vai se transformando em um nome de grande popularidade. E identifiquem uma dança com outra, bem similar, de Cantando na Chuva - que, não por acaso, tratava do mesmo assunto: a chegada do som aos filmes, interrompendo carreiras que pareciam estáveis ao mesmo tempo em que propiciava o surgimento de novos nomes, logo adorados pelo grande público em substituição aos veteranos rapidamente esquecidos.
O Artista mimetiza um filme silencioso, mas claro que tem trilha sonora com música (boa, de Ludovic Bource) acompanhando a ação quase o tempo todo - coisa que também existia no tempo dos filmes silenciosos, só que a cargo de orquestras executando melodias ao vivo nas salas de cinema de primeira linha. Será que muitos identificarão a inclusão de um longo trecho musical extraído de Um Corpo que Cai, uma das obras-primas de Hitchcock com música original - e genial - de Bernard Hermann?
Um mordomo fiel a um astro em desprestígio pode lembrar Crepúsculo dos Deuses(Sunset Boulevard) e a personagem entediada vivida por Penelope Ann Miller tem cabeleira e postura quase idênticas à da segunda esposa do Cidadão Kane. Em vez de fazer enormes quebra-cabeças, aqui ela rabisca bigodes e falhas de dentes em fotos de seu marido. Os sucessivos breakfasts do primeiro casal Kane cujo relacionamento se distanciava a cada tomada de novo café da manhã também se faz lembrar de modo óbvio.
Mesmo que nenhuma dessas (ou de outras) referências sejam percebidas, O Artistatende a ser um filme amável: tem um cachorrinho esperto e um casal de protagonistas (com ótimos coadjuvantes) afinadíssimos nas exigências de interpretações sem uso da voz, mas evitando excessos caricaturais na pantomima, salvo quando "comentando" o recurso da mímica exagerada de antanho. Já a ótima trilha original prescindia do recurso ao sublime tema de amor de Um Corpo que Cai, "pirateado" de modo gratuito.
Por outro lado, nenhuma das amáveis características de O Artista impede que problematizemos o lado pastiche da realização (cujo tom de familiaridade colabora com a receptividade que está tendo - um tanto superestimada que talvez o tempo minimize). Uma questão já foi insinuada acima: há um excesso de referências. Se podem fazer a delícia de cinéfilos e encaixar com uma memória cinematográfica arquetípica, mesmo que nem sempre tão consciente, o recurso deixa o filme um tanto órfão de criatividade autóctone, quase como uma peça fetichista que possivelmente está sendo tão admirada pelo que não é: não é em 3-D, não usa recursos sonoros ensurdecedores nem é daqueles filmes saturados de efeitos visuais digitais.
Se há espectadores cansados de tanta parafernália em filmes que não tem nada a dizer, a ausência de “moderna tecnologia áudio-visual” ostensiva acaba por se aproximar do mesmo vácuo dos filmes prenhes de efeitos contemporâneos quanto ao que teria a dizer: praticamente, nada de novo, ficando apenas como “um filme de antigamente”. Diverte, entretém, e isso pode ser bem louvável. Mas não há ousadia nenhuma no uso da antiga linguagem cinematográfica.
Por exemplo, quando a história avança para a era dos talkies, o filme continua “silencioso” e apenas em uma cena o personagem do ator que não se adaptou ao cinema sonoro permanece “mudo” enquanto as coisas “ganham som”. É uma excelente cena, mas não passa de um pesadelo do personagem. Só no desfecho é que alguns personagens ganham voz alta e em bom som, o que fica como mais uma gag, perdendo-se a oportunidade de fazer uma parte do filme mesclando personagens que emitem som com o do ator que tentou ficar aderido ao “silencioso”, sem voz.
(Lembremos que Chaplin ainda rodou dois longas “mudos”, Luzes da Cidade eTempos Modernos quando já havia recursos sonoros).
Mas afinal, em que O Artista adere à sintaxe do cinema silencioso, indo além do pastiche bem feito? Ao uso da tela “quadradinha” dos filmes de então? (Mesmo que alguns tenham considerado uma gratuidade, Gus Van Sant usou esse formato 1:33:1 em vários filmes seus quando considerou pertinente para a dramaturgia pretendida.) Ao uso da íris, "fechando" a imagem? (Truffaut cansou de utilizá-la” em vários de seus filmes como ênfase no final de uma cena.)...
Já O Artista faz do filme à moda (bem) antiga uma piada. Boa, mas um pouco esticada, algo fetichista. E "citando" tantos detalhes referenciais que chegou ao abuso de música composta para outro filme (Um Corpo que Cai) – mas aqui, sem o menor sentido. (E isso mereceu protestos da atriz Kim Novak).
Cabe destacar, ao lado das presenças marcantes dos atores Jean Dujardin, Bérénice Bejo, James Cromwell e John Goodman, a fotografia de Guillaume Schiffmann que alterna trechos em tonalidade mais "azulada" com outros de preto-e-branco mais marcado, conforme retratem bons ou maus momentos para o personagem central.
FICHA TÉCNICA
Diretor: Michel Hazanavicius
Elenco: Jean Dujardin, Bérénice Bejo, John Goodman, James Cromwell, Penelope Ann Miller, Missi Pyle, Beth Grant, Ed Lauter, Joel Murray, Bitsie Tulloch, Ken Davitian, Malcolm McDowell.
Produção: Thomas Langmann, Emmanuel Montamat
Roteiro: Michel Hazanavicius
Fotografia: Guillaume Schiffman
Trilha Sonora: Ludovic Bource
Duração: 100 min.
Ano: 2011
País: França/ Bélgica
Gênero: Drama
Cor: Colorido
Distribuidora: Paris Filmes
Estúdio: La Petite Reine / uFilm / JD Productions
Classificação: 12 anos
A divulgação que O Artista vem merecendo faz com que dificilmente alguém compre sua entrada sem saber que foi feito como na época em que os atores falavam sem emitir sons nos filmes. As películas não tinham trilha sonora e eram em preto-e-branco. Talvez alguns espectadores tenham visto filmes de Chaplin desse período, podem até mesmo conhecer Metrópolis, de Fritz Lang, mas hoje em dia muitos não terão ideia de como eram as aventuras de capa-e-espada com Douglas Fairbanks Jr. e nem saibam que havia muitos melodramas lacrimosos na produção hollywoodiana da época. Nada disso impede que se goste de O Artista com seus aspectos cômicos e melodramáticos. E pela curiosidade que representa, em pleno século XXI, vermos um filme com jeitão da terceira década do século passado.
Pode ser que, mesmo sem conhecer qualquer versão de Nasce uma Estrela, o público se sinta familiarizado com o enredo em que um astro entra em declínio enquanto uma nova starlet vai se transformando em um nome de grande popularidade. E identifiquem uma dança com outra, bem similar, de Cantando na Chuva - que, não por acaso, tratava do mesmo assunto: a chegada do som aos filmes, interrompendo carreiras que pareciam estáveis ao mesmo tempo em que propiciava o surgimento de novos nomes, logo adorados pelo grande público em substituição aos veteranos rapidamente esquecidos.
O Artista mimetiza um filme silencioso, mas claro que tem trilha sonora com música (boa, de Ludovic Bource) acompanhando a ação quase o tempo todo - coisa que também existia no tempo dos filmes silenciosos, só que a cargo de orquestras executando melodias ao vivo nas salas de cinema de primeira linha. Será que muitos identificarão a inclusão de um longo trecho musical extraído de Um Corpo que Cai, uma das obras-primas de Hitchcock com música original - e genial - de Bernard Hermann?
Um mordomo fiel a um astro em desprestígio pode lembrar Crepúsculo dos Deuses(Sunset Boulevard) e a personagem entediada vivida por Penelope Ann Miller tem cabeleira e postura quase idênticas à da segunda esposa do Cidadão Kane. Em vez de fazer enormes quebra-cabeças, aqui ela rabisca bigodes e falhas de dentes em fotos de seu marido. Os sucessivos breakfasts do primeiro casal Kane cujo relacionamento se distanciava a cada tomada de novo café da manhã também se faz lembrar de modo óbvio.
Mesmo que nenhuma dessas (ou de outras) referências sejam percebidas, O Artistatende a ser um filme amável: tem um cachorrinho esperto e um casal de protagonistas (com ótimos coadjuvantes) afinadíssimos nas exigências de interpretações sem uso da voz, mas evitando excessos caricaturais na pantomima, salvo quando "comentando" o recurso da mímica exagerada de antanho. Já a ótima trilha original prescindia do recurso ao sublime tema de amor de Um Corpo que Cai, "pirateado" de modo gratuito.
Por outro lado, nenhuma das amáveis características de O Artista impede que problematizemos o lado pastiche da realização (cujo tom de familiaridade colabora com a receptividade que está tendo - um tanto superestimada que talvez o tempo minimize). Uma questão já foi insinuada acima: há um excesso de referências. Se podem fazer a delícia de cinéfilos e encaixar com uma memória cinematográfica arquetípica, mesmo que nem sempre tão consciente, o recurso deixa o filme um tanto órfão de criatividade autóctone, quase como uma peça fetichista que possivelmente está sendo tão admirada pelo que não é: não é em 3-D, não usa recursos sonoros ensurdecedores nem é daqueles filmes saturados de efeitos visuais digitais.
Se há espectadores cansados de tanta parafernália em filmes que não tem nada a dizer, a ausência de “moderna tecnologia áudio-visual” ostensiva acaba por se aproximar do mesmo vácuo dos filmes prenhes de efeitos contemporâneos quanto ao que teria a dizer: praticamente, nada de novo, ficando apenas como “um filme de antigamente”. Diverte, entretém, e isso pode ser bem louvável. Mas não há ousadia nenhuma no uso da antiga linguagem cinematográfica.
Por exemplo, quando a história avança para a era dos talkies, o filme continua “silencioso” e apenas em uma cena o personagem do ator que não se adaptou ao cinema sonoro permanece “mudo” enquanto as coisas “ganham som”. É uma excelente cena, mas não passa de um pesadelo do personagem. Só no desfecho é que alguns personagens ganham voz alta e em bom som, o que fica como mais uma gag, perdendo-se a oportunidade de fazer uma parte do filme mesclando personagens que emitem som com o do ator que tentou ficar aderido ao “silencioso”, sem voz.
(Lembremos que Chaplin ainda rodou dois longas “mudos”, Luzes da Cidade eTempos Modernos quando já havia recursos sonoros).
Mas afinal, em que O Artista adere à sintaxe do cinema silencioso, indo além do pastiche bem feito? Ao uso da tela “quadradinha” dos filmes de então? (Mesmo que alguns tenham considerado uma gratuidade, Gus Van Sant usou esse formato 1:33:1 em vários filmes seus quando considerou pertinente para a dramaturgia pretendida.) Ao uso da íris, "fechando" a imagem? (Truffaut cansou de utilizá-la” em vários de seus filmes como ênfase no final de uma cena.)...
Já O Artista faz do filme à moda (bem) antiga uma piada. Boa, mas um pouco esticada, algo fetichista. E "citando" tantos detalhes referenciais que chegou ao abuso de música composta para outro filme (Um Corpo que Cai) – mas aqui, sem o menor sentido. (E isso mereceu protestos da atriz Kim Novak).
Cabe destacar, ao lado das presenças marcantes dos atores Jean Dujardin, Bérénice Bejo, James Cromwell e John Goodman, a fotografia de Guillaume Schiffmann que alterna trechos em tonalidade mais "azulada" com outros de preto-e-branco mais marcado, conforme retratem bons ou maus momentos para o personagem central.
FICHA TÉCNICA
Diretor: Michel Hazanavicius
Elenco: Jean Dujardin, Bérénice Bejo, John Goodman, James Cromwell, Penelope Ann Miller, Missi Pyle, Beth Grant, Ed Lauter, Joel Murray, Bitsie Tulloch, Ken Davitian, Malcolm McDowell.
Produção: Thomas Langmann, Emmanuel Montamat
Roteiro: Michel Hazanavicius
Fotografia: Guillaume Schiffman
Trilha Sonora: Ludovic Bource
Duração: 100 min.
Ano: 2011
País: França/ Bélgica
Gênero: Drama
Cor: Colorido
Distribuidora: Paris Filmes
Estúdio: La Petite Reine / uFilm / JD Productions
Classificação: 12 anos
hum.... eu fiquei curiosa em ver..mesmo com opinião meio dividida...
ResponderExcluirPaulinha, o preto e branco e o fato de não ter diálogos podem pesar e ser um pouco cansativos, mas para quem gosta de cinema, vale a experiência.
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