25 de jun. de 2012

Febre do Rato


CRÍTICA
Em seu novo filme, Cláudio Assis evolui seu cinema marginal

Menos pessimista que seus filmes anteriores, "Febre do Rato" faz um filme de tolerância e de alternativas

por Fábio Pastorello


O diretor pernambucano Cláudio Assis é uma figura polêmica do cinema brasileiro. Andando na contracorrente da maior parte da produção de cinema brasileiro, ele critica a maior parte dos cineastas brasileiros, principalmente aqueles que copiam as fórmulas do cinema norte-americano. Diretor de "Amarelo Manga" (2002) e "Baixio das Bestas" (2006), ele retorna com "Febre do Rato", filme que retrata um personagem, assim como seu cinema, marginal e que atua fora dos padrões artísticos mais reconhecidos.


Em comum com seus outros dois filmes está o retrato de personagens em camadas marginais da sociedade. Se em "Amarelo Manga" o cenário era um hotel barato periférico e em "Baixio das Bestas" um puteiro, aqui temos uma Recife pobre da qual faz parte o poeta Zizo (Ihrandir Santos, de "Tropa de Elite 2 - O Inimigo Agora é Outro). Os personagens vivem de forma pouco tradicional: uma mulher que vive e se deita com três homens; mulheres mais velhas que transam com o poeta em sua caixa d'água ou um casal em que um dos pares é uma transexual. Assis retrata seus personagens com naturalidade, nessa comunidade sem preconceitos, em que as diferenças convivem em harmonia. Todos os comportamentos dos personagens não são escondidos, nem recriminados pelos demais, por mais estranhos ou diferentes que pareçam.

Para o retrato dessa comunidade, o prestigiado diretor de fotografia Walter Carvalho trabalha com a fotografia em preto e branco, que remete ao cinema novo e ao cinema marginal brasileiro, que Assis parece encontrar mais identificação. Além disso, as cenas de Recife são frequentemente ilustradas por imagens do rio Capibaribe, como logo no início do filme, com as imagens navegando por debaixo das pontes de Recife. É um ponto de vista diferente da cidade, de baixo.

Apesar do ponto de vista marginal, seja através das imagens ou da construção de seus personagens, Assis encontra no roteiro de Hilton Lacerda, uma história mais terna com o ser humano, ao contrário do tom pessimista de seus outros filmes. O enredo principal acompanha justamente uma história de amor (e desejo sexual), entre o poeta Zizo e a jovem estudante Eneida (Nanda Costa, de "Sonhos Roubados"). O poeta lembra que o nome da jovem vem de um poema épico de Virgílio, que narra a saga de Eneias, um homem que abandona a sua terra, Tróia, para fundar uma nova cidade.




Assim como Eneias, Zizo também conduz, em conjunto com seus amigos, uma saga para uma nova sociedade. Obviamente, Zizo irá encontrar obstáculos, mas ainda assim Assis acena em seu novo filme, para uma esperança de uma vida diferente, alternativa ao estilo de vida dominante. Se em seus primeiros filmes, o diretor parecia mais disposto a criticar e mostrar os podres do ser humano e da sociedade, aqui ele se predispõe a mostrar alternativas. Nisso, seu cinema se torna mais belo e ainda mais humano.



COTAÇÃO DO JANELA INDISCRETA: * * * *



FICHA TÉCNICA
Diretor: Cláudio Assis
Elenco: Irandhir Santos, Nanda Costa, Matheus Nachtergaele, Angela Leal, Maria Gladys, Conceição Camarotti, Mariana Nunes, Juliano Cazarré, Victor Araújo, Hugo Gila, Tânia Granussi
Produção: Julia Moraes, Claudio Assis
Roteiro: Hilton Lacerda
Fotografia: Walter Carvalho
Duração: 110 min.
Ano: 2011
País: Brasil
Gênero: Drama
Cor: Preto e Branco
Distribuidora: Imovision



4 comentários:

  1. Também achei um filme muito interessante e diferente. O erotismo e libertinagem descarados podem assustar a maioria das pessoas que forem assistir, que com certeza não serão muitas. Não dá pra saber exatamente se a proposta do diretor é a de contar uma história de amor mais safadinha ou se o tom político anarquista e a valorização da diversidade é que são as razões da existência do filme. Vale a pena!

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    1. Pois é, de início fiquei um pouco chocado, não tanto com o erotismo, mas justamente com o estilo de vida muito diferente do nosso. Mas ficar chocado é bom!!! rs. Acho que é até um pouco a intenção dele, chocar, seja pela história safadinha ou pelo tom político anarquista. Chocar para mudar.

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  2. Ainda não assisti esse filme, mas quero muito ver. Assis é um dos meus cineastas nacionais preferidos da atualidade. Gostei do seu texto. Abração.

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    1. Obrigado, Celo. É uma cinematografia diferente, que vale a pena conferir mesmo.

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