26 de jun. de 2011

São Paulo é mais gay ou evangélica?


Notícias sobre a Parada Gay, a Marcha de Jesus, e as discussões envolvendo suas posições antagônicas.



Organização estima em 4 milhões público da Parada Gay de SP

Apesar da chuva, participantes lotaram a Paulista neste domingo (26).
PM diz não ter dado de público; casos de furto e tráfico foram registrados.

Carolina Iskandarian e Letícia Macedo
Do G1 SP

A organização da 15ª Parada do Orgulho LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) fez uma estimativa de 4 milhões de participantes na noite deste domingo (26), minutos após o fim do evento, no Centro de São Paulo. A PM, no entanto, disse não ter um balanço do número de participantes.


Público chega à Praça Roosevelt, ponto final da Parada (Foto: Raul Zito/G1)

Apesar da chuva, o público lotou a Avenida Paulista e a Rua da Consolação durante a festa, que teve início às 13h. O último trio deixou as ruas por volta das 18h30. Ao todo, 16 trios elétricos animaram o público.

“A gente bateu o recorde. Achamos que a chuva ia atrapalhar, mas foi o contrário. A Parada foi muito tranquila. Foi incrível. Nossa mensagem foi passada”, afirmou Leandro Rodrigues, da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros. O tema deste ano foi: “Amai-vos uns aos outros: basta de homofobia!”

Rodrigues disse que o número de frequentadores ainda passará por uma checagem e que o dado preciso deverá ser divulgado até esta segunda-feira (27).

O desfile terminou na Praça Roosevelt, na região central. Para evitar confusões, a Polícia Militar colocou na região 1.500 policiais – foram 800 no ano passado. Além disso, a associação responsável por organizar a festa contratou 400 seguranças particulares.

Durante o evento, segundo o major da PM Wagner Rodrigues, porta-voz da corporação, oito pessoas foram presas. Elas foram conduzidas às delegacias por suspeita de furtos, roubos ou tráfico de drogas. Participantes reclamaram que tiveram máquinas fotográficas, óculos de sol e celulares levados pelos detidos.


Garoa na parada

Mesmo com chuva persistente, multidão seguiu a 15ª Parada do Orgulho LGBT animada por trios elétricos; PM registrou poucos incidentes no percurso 


Multidão carrega bandeira de arco-íris na avenida Paulista

DE SÃO PAULO

Os 15 anos da Parada do Orgulho LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) de São Paulo foram festejados sob chuva e garoa persistentes, o que não acontecia desde 1997.
Mas a chuva não intimidou os participantes nem mesmo quando apertou.
Enquanto uns corriam para se proteger embaixo de marquises, muitos continuavam a dançar, indiferentes à água que botava à prova a chapinha (de alisar cabelos) e o babyliss (de enrolá-los).
"Minha chapinha aguenta firme. Essa chuva é pouco", dizia a travesti Juliana Vidal, 22, uma das que dançavam animadamente na chuva.
Com tema voltado à religião ("Amai-vos uns aos outros: basta de homofobia"), o evento teve um trio elétrico com católicos, evangélicos, anglicanos e umbandistas.
"A maioria dos religiosos que está aqui não é homossexual. Está propondo um hino pela paz", disse a coordenadora do Centro de Referência da Diversidade, Irina Bacci.
A utilização de imagens de modelos em alusão a figuras de santos católicos, no entanto, incomodou a igreja.
"O uso desrespeitoso da imagem dos santos populares é uma ofensa aos próprios santos e também aos sentimentos religiosos do povo", disse o arcebispo de São Paulo, Odilo Pedro Scherer.
Sobre a frase dos cartazes "Nem santo te protege [use camisinha]", o arcebispo rebateu: "Pois é verdade. O que pode salvar mesmo é uma vida sexual regrada e digna."

DEBUTANTE 
Para Leandro Rodrigues, da organização, a quantidade de público, estimada em 4 milhões, foi até maior do que nos outros anos. A PM não fez estimativa de público.
Um grupo de cerca de 40 punks e skinheads, chamado Ação Antifacista, também participou da festa, que teve até valsa em comemoração aos 15 anos do evento.
No início do evento, eles chegaram a ser detidos pela polícia, mas foram liberados quando os policiais perceberam que a manifestação deles era a favor da diversidade.
"O objetivo é desmistificar a ideia de que todo skinhead é homofóbico. A parada tem de servir de plataforma para reivindicações e não só para mostrar o orgulho de ser gay", disse Danilo Henrique, 29, skinhead e homossexual.
No início da festa, um adolescente de 16 anos foi apreendido sob suspeita de participar de um arrastão com quatro jovens. Eles teriam furtado óculos.
Até as 18h, a PM disse ter registrado três casos de apreensão de entorpecentes. À noite, o governo informou que "várias ocorrências de perda e de furto de objetos" foram registradas.
(CRISTINA MORENO DE CASTRO, CLAUDIA IZUMI, GIBA BERGAMIN JR., REYNALDO TUROLLO JR. e TALITA BEDINELLI) 


http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2706201112.htm





Marcha vira palco para críticas ao STF
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po2406201108.htm

Líderes evangélicos atacam reconhecimento de uniões homossexuais e liberação de manifestações pró-maconha

DANIEL RONCAGLIA
DE SÃO PAULO

Líderes evangélicos transformaram ontem a Marcha para Jesus, em São Paulo, em palco para críticas ao Supremo Tribunal Federal e uma exibição de força política. Os alvos principais foram as recentes decisões em que o STF reconheceu a união estável de casais homossexuais e liberou manifestações pela liberação da maconha.

O pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, chegou a recomendar aos fiéis que não votem em políticos que sejam favoráveis à união gay. "O povo evangélico não vai ser curral eleitoral", disse. "Se governador, prefeito ou presidente for contra a família, não terá nosso voto." Para Malafaia, o Supremo "rasgou a Constituição" ao permitir a união civil entre homossexuais. O pastor negou que seja homofóbico.

No Congresso, 71 deputados e três senadores são ligados a igrejas evangélicas.

O apóstolo Estevam Hernandes, líder da Renascer em Cristo e principal organizador da Marcha, disse que a manifestação não tem caráter político, mas reconheceu a influência dos líderes. Ele também se pronunciou contra as decisões do STF. "Enquanto a maconha não é liberada, é incoerente marchar por aquilo que não é legal", disse Hernandes.

Pastor da Igreja Universal, o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) criticou o "ativismo judicial" e disse que "não é possível que seis iluminados se julguem capazes de decidir por 200 milhões". O STF é composto por 11 ministros.

O senador Magno Malta (PR-ES) afirmou que os evangélicos esperam respeito dos homossexuais. "O verdadeiro Supremo é Deus", disse.

A marcha atraiu uma multidão de fiéis que seguiu sete trios elétricos e percorreu 4 quilômetros do centro de São Paulo até a zona norte. A manifestação é realizada todo ano na cidade desde 1993. "Meu Deus é dono do ouro e da prata. Enquanto meu Deus age, ninguém pode impedir", disse a bispa da Renascer Sônia Hernandes, no alto de um trio elétrico. Ela afirmou que continua amiga do jogador de futebol Kaká, que era o principal garoto-propaganda da igreja até romper com ela em 2010.

Polícia estima público do ato em 1 milhão

A Igreja Renascer em Cristo estimou em 5 milhões o público presente na Marcha para Jesus durante todo o percurso do evento, que durou cerca de 12 horas. Segundo a igreja, a contagem é feita a partir da experiência dos outros anos. Já a Polícia Militar disse que 1 milhão de pessoas assistiram aos shows na praça -o cálculo não considera quem seguiu a Marcha. Segundo a PM, o levantamento é feito com base em fotos tiradas de helicóptero. Os dados são calculados por um software específico. O método da polícia consiste em multiplicar a extensão territorial ocupada pelo chamado "coeficiente de concentração".


Como considero a diversidade o ponto mais interessante da cidade de São Paulo, gosto da ideia de termos, tão próximas, as paradas gay e evangélica tomando as ruas pacificamente. Tão próximas no tempo e no espaço, elas têm diferenças brutais.

Os gays não querem tirar o direito dos evangélicos (nem de ninguém) de serem respeitados. Já a parada evangélica não respeita os direitos dos gays (o que, vamos reconhecer, é um direito deles). Ou seja, quer uma sociedade com menos direitos e menos diversidade.

Os gays usam a alegria para falar e se manifestar. A parada evangélica tem um ranço um tanto raivoso, já que, em meio à sua pregação, faz ataques a diversos segmentos da sociedade. Nesse ano, um do seus focos foi o STF.

Por trás da parada gay, não há esquemas políticos nem partidários. Na parada evangélica há uma relação que mistura religião com eleições, basta ver o número de políticos no desfile em posição de liderança. Isso para não falar de muitos personagens que, se não têm contas a acertas com Deus, certamente têm com a Justiça dos mortais, acusados de fraudes financeiras.

Nada contra --muito pelo contrário-- o direito dos evangélicos terem seu direito de se manifestarem. Mas prefiro a alegria dos gays que querem que todos sejam alegres. Inclusive os evangélicos.

Civilidade é a diversidade. São Paulo, portanto, é mais gay do que evangélica.

Gilberto Dimenstein, 53 anos, é membro do Conselho Editorial da Folha e criador da ONG Cidade Escola Aprendiz. Coordena o site de jornalismo comunitário da Folha. Escreve para a Folha.com às segundas-feiras.


TENDÊNCIAS/DEBATES

Não é preciso ser diferente para ser gay

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2606201108.htm

ALEXANDRE VIDAL PORTO

Associar a homossexualidade à transgressão e ao excesso pode ter valor estético, mas tem efeito negativo sobre o ritmo do processo político

Os homossexuais podem se tornar invisíveis. É só saberem dissimular ou mentir. Quando a primeira Parada Gay de São Paulo surgiu, um de seus objetivos era, justamente, dar visibilidade à parcela da comunidade LGBT que queria afirmar sua existência e entabular um diálogo com a sociedade.

O viés era político. O slogan da parada, "Somos muitos e estamos em todas as profissões", equivalia a uma apresentação. Os manifestantes queriam mostrar quem eram e o que faziam. Reclamavam participação no processo jurídico-social e pediam proteção contra o preconceito e a discriminação. Eram 2.000 pessoas, e o ano era 1997.

Desde sua primeira edição, no entanto, o aspecto político do evento foi cedendo espaço ao carnavalesco. A Parada Gay de São Paulo transformou-se em uma grande festa. A maior de seu gênero no mundo. Atrai número de pessoas equivalente à população do Uruguai.

Movimenta centenas de milhões de reais. A expectativa é de que traga mais de 400 mil turistas à cidade.

Explica-se o fenômeno da carnavalização da Parada com o argumento de que os gays são "divertidos". A utilização desse estereótipo, contudo, contribui para mascarar a irresponsabilidade cívica e a alienação política de parte da comunidade LGBT.

Carnavalizar é fácil e agradável, mas é contraproducente.

O estilo exagerado que alguns participantes preferem adotar é legítimo e respeitável. Mas presta um desserviço para o avanço dos direitos à igualdade. O caráter festivo e a irreverência tiveram valor simbólico em um tempo em que a rejeição social contra a homossexualidade era incontornável. Acontece que as coisas mudaram.

Os milhões de pessoas que comparecerão ao evento na avenida Paulista deveriam ter presente a responsabilidade cívica de conquistar corações e mentes para a sua causa. O aspecto político da Parada exige certa sobriedade, ao menos em respeito às vítimas cotidianas da homofobia, no Brasil e no mundo. Hoje, o peso do discurso político tem de ser maior que a vontade de dançar.

A aceitação da homossexualidade pela opinião pública está vinculada à convivência com pessoas abertamente gays. Mostrar-se é importante. Nessa batalha, é mais estratégico exibir a semelhança. É mais difícil para o mundo identificar-se com o ultrajante.

Não se trata de exibir a orientação sexual, mas de garantir o direito pleno à liberdade de exercê-la. Associar o conceito da homossexualidade à transgressão e ao excesso pode ter valor estético, mas tem efeito negativo sobre o ritmo do processo político.

Para gente que cresceu com uma escala de valores antagônica aos direitos humanos dos LGBT, o comportamento escandaloso exibido tradicionalmente nas paradas equivale à retórica raivosa de um Jair Bolsonaro. O papel da Parada é mostrar que os homossexuais são serem humanos comuns, que têm direito a proteção e respeito, como qualquer outro cidadão.

Ninguém precisa ser diferente para ser gay. Não é necessário transformar-se na caricatura de si mesmo.

ALEXANDRE VIDAL PORTO, mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA), é diplomata de carreira e escritor.



CONTARDO CALLIGARIS 

Passeatas diferentes 


Por que alguém desfila para pedir não liberdade para si mesmo, mas repressão para os outros?

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq3006201117.htm

DOMINGO PASSADO, em São Paulo, foi o dia da Parada Gay.
Alguns criticam o caráter carnavalesco e caricatural do evento. Alexandre Vidal Porto, em artigo na Folha do próprio domingo, escreveu que, na luta pela aceitação pública, "é mais estratégico exibir a semelhança" do que as diferenças, pois a conduta e a aparência "ultrajantes" podem ter "efeito negativo" sobre o processo político que leva à igualdade dos homossexuais. Conclusão: "O papel da Parada é mostrar que os homossexuais são seres humanos comuns, que têm direito a proteção e respeito, como qualquer outro cidadão".
Entendo e discordo. Para ter proteção e respeito, nenhum cidadão deveria ser forçado a mostrar conformidade aos ideais estéticos, sexuais e religiosos dominantes. Se você precisa parecer "comum" para que seus direitos sejam respeitados, é que você está sendo discriminado: você não será estigmatizado, mas só à condição que você camufle sua diferença.
Importa, portanto, proteger os direitos dos que não são e não topam ser "comuns", aqueles cujos comportamentos "caricaturais" testam os limites da aceitação social.
Nos últimos anos, mundo afora, as Paradas Gays ganharam a adesão de milhões de heterossexuais porque elas são o protótipo da manifestação libertária: pessoas desfilando por sua própria liberdade, sem concessões estratégicas. É essa visão que atrai, suponho, as famílias que adotam a Parada Gay como programa de domingo. A "complicação" de ter que explicar às crianças a razão de homens se esfregarem meio pelados ou de mulheres se beijarem na boca é largamente compensada pela lição cívica: com o direito deles à diferença, o que está sendo reafirmado é o direito à diferença de cada um de nós.
O mesmo vale para a Marcha para Jesus, que foi na última quinta (23), também em São Paulo. Para muitos que desfilaram, imagino que a passeata por Jesus tenha sido um momento de afirmação positiva de seus valores e de seu estilo de vida -ou seja, um desfile para dizer a vontade de amar e seguir Cristo, inclusive de maneira caricatural, se assim alguém quiser.
Ora, segundo alguns líderes evangélicos, os manifestantes de quinta-feira não saíram à rua para celebrar sua própria liberdade, mas para criticar as recentes decisões pelas quais o STF reconheceu a união estável de casais homossexuais e autorizou as marchas pela liberação da maconha. Ou seja, segundo os líderes, a marcha não foi por Jesus, mas contra homossexuais e libertários.
Pois é, existem três categorias de manifestações: 1) as mais generosas, que pedem liberdade para todos e sobretudo para os que, mesmo distantes e diferentes de nós, estão sendo oprimidos; 2) aquelas em que as pessoas pedem liberdade para si mesmas; 3) aquelas em que as pessoas pedem repressão para os outros.
O que faz que alguém desfile pelas ruas para pedir não liberdade para si mesmo, mas repressão para os outros?
O entendimento trivial desse comportamento é o seguinte: em regra, para combater um desejo meu e para não admitir que ele é meu, eu passo a reprimi-lo nos outros.
Seria simplório concluir que os que pedem repressão da homossexualidade sejam todos homossexuais enrustidos. A regra indica sobretudo a existência desta dinâmica geral: quanto menos eu me autorizo a desejar, tanto mais fico a fim de reprimir o desejo dos outros. Explico.
Digamos que eu seja namorado, corintiano, filho, pai, paulista, marxista e cristão; cada uma dessas identidades pode enriquecer minha vida, abrindo portas e janelas novas para o mundo, permitindo e autorizando sonhos e atos impensáveis sem ela. Mas é igualmente possível, embora menos alegre, abraçar qualquer identidade não pelo que ela permite, mas por tudo o que ela impede.
Exemplo: sou marido para melhor amar a mulher que escolhi ou sou marido para me impedir de olhar para outras? Não é apenas uma opção retórica: quem vai pelo segundo caminho se define e se realiza na repressão -de seu próprio desejo e, por consequência, do desejo dos outros. Para se forçar a ser monogâmico, ele pedirá apedrejamento para os adúlteros: reprimirá os outros, para ele mesmo se reprimir. No contexto social certo, ele será soldado de um dos vários exércitos de pequenos funcionários da repressão, que, para entristecer sua própria vida, precisam entristecer a nossa.

ccalligari@uol.com.br 










Um comentário:

  1. Como sempre digo, cada um acredita e segue aquilo que quer, mas o mais importante é o respeito. Seja em todo tipo de preconceito, essa falta de respeito pelo próximo atrasa a humanidade e nos separa dentro da sociedade. É uma pena!

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